Testemunha da história

Testemunha da história

O jornalista Zuenir Ventura fala sobre como o momento econômico e político do País tem refletido no humor das pessoas e sobre a capacidade dos brasileiros de superar crises

O internacionalmente premiado jornalista Zuenir Ventura, imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL), e atual colunista do jornal O Globo, já passou por muita coisa. Ainda era uma criança na implantação do Estado Novo, presenciou a instituição do salário mínimo, em 1940, e a da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em 1943. Estava lá durante a queda do Estado Novo, na redemocratização do País, e já era um jovem militante no regime militar, como preso político. Participou das primeiras eleições diretas após a era ditatorial e ainda hoje escreve análises do governo. Em seus mais de 80 anos de vida, conseguiu ver e viver fatos históricos que conduziram o País ao patamar de hoje.

O jornalista é autor do livro “1968 – O ano que não terminou”, que inspirou a minissérie global Anos Rebeldes, nos anos 1990, e marcou toda uma geração. A obra é um dos mais notáveis relatos de um dos pontos cruciais da história brasileira.

Zuenir Ventura - Revista Franquia & NegóciosEm outubro, o jornalista participou da 15ª Convenção ABF do Franchising e falou para mais de 500 pessoas sobre o atual panorama brasileiro. Ventura dividiu o palco com o cartunista Ziraldo, também com larga bagagem de conhecimento e protagonismo na condução da história do País. Em entrevista à Revista Franquia & Negócios ABF, o jornalista falou sobre a falta de esperança que assola o brasileiro atualmente e a capacidade do País em superar crises.

Como o senhor avalia o atual momento pelo qual o País atravessa?
Ao longo da minha vida, assisti a muitos momentos difíceis do Brasil. Desde o estado novo, quando era jovem, mas, sobretudo no regime militar, que foi muito duro. Vi momentos democráticos, como Juscelino Kubitscheck, decepções com Jânio Quadros (governou em 1961) e Fernando Collor (governou de 1990 a 1992). O que eu sei é que o País dá a volta por cima sempre. Ele está acostumado a enfrentar adversidades.

Essa crise pode ser comparada a outras que o Brasil já atravessou?
Vivemos hoje um momento muito difícil, um mau humor generalizado, um desencanto muito grande. As pessoas acham que não adianta fazer nada, um clima de pessimismo muito inútil e que não leva a nada, só à paralisia. Embora eu seja crítico do governo, no fundo sou otimista. No meu DNA estava escrito que eu seria careca e otimista. Por outro lado, há um processo de limpeza moral no País que é muito positivo, como se tivesse realmente tirando toda a sujeira que vinha sendo acumulada há muito tempo.

Como enxergar isso de uma forma positiva?
O comodismo pelo pessimismo não faz bem ao País, nem à geração. O Brasil sempre teve a força de transformação por meio dos jovens. Tem uma energia que surge em momentos que achamos que está tudo perdido. Em 1968 achávamos que aquela comoção parecia um milagre, mas na verdade era um acumulado de razões que nos levaram àquilo.

Não podemos fechar os olhos para esse período, precisamos dar força, é altamente positivo. É um processo de saneamento, não está tudo ruim. Já tínhamos dificuldades econômicas antes, mas hoje temos a inclusão de várias faixas da população no consumo. Do ponto de vista moral, o governo foi um desastre, mas do lado social não. Pela primeira vez tudo está sendo investigado com profundidade e está sendo atacado. Acho que não terá retrocesso.

Como o Brasil chegou a esse ponto?
O País chegou a esse ponto porque não só elege mal, mas também vira as costas para situações que precisam de participação popular. O tempo de democracia é muito recente. Se olhar historicamente, temos, na verdade, arestas de democracia, quase tudo foi ditatorial. Os momentos de liberdade são recentes, frágeis.

A sociedade deveria participar mais ativamente desse momento, então?
Em todos os processos de limpeza houve sempre a participação popular. A Ficha Limpa aconteceu por pressão popular. A sociedade está muito anestesiada em relação ao que está acontecendo. Eu concordo que a cultura do pessimismo foi adotada.

Você consegue se enxergar na juventude de hoje?
A dificuldade hoje é que em 1968 tínhamos apenas uma geração de jovens. Agora temos uma fragmentação desse cenário, em que cada grupo, cada tribo, é uma geração diferente. Você tem os universitários e os ‘miqueiros’, por exemplo. Cada grupo forma uma cultura, uma geração, com seus cabelos, modo de vida, cultura, roupas etc.

Quais os maiores riscos desse comportamento atual?
O pior perigo é surgir um salvador da Pátria, como já tivemos. O Collor foi um, estávamos começando o regime democrático. Agora temos alguns candidatos ao posto também, mas um mais perigoso que o outro. Eu acho que tem muito pretexto para a cultura do pessimismo. Nesse caso, a melhor maneira é não fazer nada. Agora vem aí uma grande inflação, a crise vai se agravar. É possível que só em 2017 passemos o País a limpo e só lá vamos ver a economia voltar a crescer.

Na sua visão, depois de tudo o que viu e viveu: o Brasil ainda tem jeito?
Sabe, aquele junho de 2013 foi muito bonito, mas foi estragado pela falta de foco, por achar que queimar caixa eletrônico atinge o capitalismo. Foi o primeiro movimento de ressurgência, tentativa de dizer que não concordavam com isso. Acho que é por aí, não é uma causa perdida.

 

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