Escrito nas estrelas

Escrito nas estrelas

Levada por sua curiosidade, a brasileira Duília de Melo se tornou colaboradora da NASA e vice-reitora de uma universidade norte-americana

Há 15 anos, a cientista brasileira Duília de Melo quebrou barreiras e se tornou uma das colaboradoras da NASA Goddart Space Flight Center. Ela é especialista em imagens das profundezas do Universo, captadas pelo telescópio Hubble, e vice-reitoria da Catholic University, em Washington (DC). Duília é formada pela Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). A pesquisadora registrou sua história no livro Vivendo nas Estrelas (Panda Books).
A curiosidade foi o que levou Duília a trilhar o caminho da astronomia. A falta de respostas aos seus questionamentos a fez buscar conhecimento e chegar, literalmente, às estrelas. Hoje, no papel de educadora, ela acredita que a grande missão é ensinar ao jovem como procurar pelas informações, que já estão todas disponíveis. No entanto, ainda há um grande desconhecimento sobre a ciência na sociedade.

Duília também fala sobre como trazer as metodologias de pesquisa científica para o dia a dia dos negócios e de que forma as soluções criadas pela NASA afetam a rotina de pessoas comuns. Confira os principais trechos da conversa a seguir:

Como você avalia a disseminação de informações sobre astronomia atualmente?
Mesmo escassa, hoje em dia é bem melhor do que no passado, pois com a internet o acesso a informação é fácil, só não sabe quem não quer saber. Às vezes, a pessoa não tem a curiosidade de aprender e o trabalho que eu faço de divulgação é justamente dar ao jovem a curiosidade para que ele consiga entender melhor as nossas origens. Entender o Universo é entender como nós chegamos aqui. É muito importante deixar os jovens intrigados, para que eles procurem as informações que hoje estão disponíveis na internet.

Quais foram as barreiras que enfrentou para chegar onde está hoje?
Eu fiz Astronomia porque queria entender o Universo. Eu fazia perguntas e ninguém sabia as respostas, nem os professores, não era parte do currículo. Era tudo muito intrigante e frustrante. Eu não tinha as respostas que eu queria sobre o início do Universo, sobre como era a nossa própria galáxia. Com a falta da internet, eram só livros, enciclopédia, mas sempre muito limitado, até porque essa área muda muito. Eu ficava muito interessada nas missões da NASA, de como chegavam aqui as imagens de satélites que estavam viajando pelo sistema solar e aí eu decidi que ia fazer isso. Que ia estudar o Universo e ser astrônoma.

Então foi a curiosidade que a levou para esse caminho?
Eu ainda me pergunto se hoje, se eu fosse criança, eu escolheria ser astrônoma. Porque foi a minha curiosidade, atrelada à falta de informação, que me levou por esse caminho. Hoje em dia, acho que seria uma criança bem diferente das que eu conheço. Eu procuraria as informações sobre as minhas dúvidas, o Google seria o meu melhor amigo. Eu não sei se já teria satisfeito a minha curiosidade ou iniciado uma grande viagem, que foi o que eu fiz. Seria até difícil de dizer.

É importante valorizar o jovem com a curiosidade. É o perfil de cientista. Toda criança é curiosa, mas aquela que mantém isso a ponto de ser diferente dos amiguinhos mostra que tem o talento para a ciência. Para ser cientista, tem que ter talento, não é qualquer um que pode ser. E o talento envolve ter essa curiosidade e gostar de áreas tecnológicas e Ciência.

A falta de informação seria uma falta de preocupação em traduzir as informações para a sociedade?
A preocupação existe, mas os cientistas acabam não conseguindo fazer. É muito difícil traduzir conceitos complexos em uma linguagem simples. Tem que pensar muito para ver quais os detalhes que vai tirar daquele seu trabalho, que você demorou tanto tempo para fazer, para ser uma coisa bem genérica e de fácil entendimento para a pessoa que não é da área. Não é todo mundo que consegue fazer isso. É muito difícil sair do jargão e traduzir para uma linguagem simples. Acho que o cientista sabe da importância disso, mas não toma a iniciativa de fazer. Espero que esteja “caindo a ficha” dos cientistas de que, cada vez mais, é necessário fazer a divulgação cientifica.

O modelo norte-americano é o ideal?
Nos Estados Unidos isso se faz muito bem, mas lá o que comanda é o dinheiro, é o berço do capitalismo. O americano faz a divulgação porque precisa justificar todo o dinheiro que é investido na Ciência. O dinheiro é de imposto, então é quase uma prestação de contas para a sociedade. No Brasil, isso ainda não começou a ser visto como importante. A Sociedade Astronômica Brasileira (SAB) é preocupada com isso e está tentando fazer. O problema é que o cientista é muito ocupado, não consegue dividir o tempo para divulgar. Além disso, existe um grande preconceito com o cientista que faz divulgação. Esse é um problema terrível. O cientista que “perde tempo” por fazer divulgação é malvisto pelos colegas e isso tem que mudar. Tem que fazer parte da carreira de todos e quem faz deveria ganhar bônus por reconhecimento.

Trazendo para a nossa realidade, é possível aplicar pesquisa cientifica às empresas?
Muitos cientistas são empreendedores e fazem spin-offs de ciência pura para depois chegar à sociedade. Eu acredito muito que é cada vez mais importante aproximar a indústria da sociedade. No Brasil, nós não temos tradição de fazer pesquisa aplicada na indústria e fazemos pouco; deveríamos fazer mais. A aproximação da indústria à universidade é o que pode ser uma combinação ideal. Eu vejo com bons olhos que o jovem seja mais empreendedor do que quando eu era jovem. Ele começa a ver a importância disso. Até porque os instrumentos que a gente usa no dia a dia, como o celular, torna tudo muito acessível. Eles começam a ter ideias com essa acessibilidade. Com um pouquinho de inovação, é possível aplicar na sociedade um trabalho científico muito específico.

Você tem exemplos práticos de como isso seria possível?
Eu trabalho com o telescópio espacial Hubble. Durante os anos 1990, a câmera era a mais poderosa já construída e, hoje em dia, a temos nos nossos smartphones. Um passo foi dado para trazer isso à sociedade. Uma área que se beneficia tremendamente é a Medicina. O avanço só acontece porque tem esse investimento na indústria, na ciência aplicada e o Hubble contribuiu para isso também. Temos grandes detectores que são utilizados para estudar furacão ou fazer Raio-X. A patente do Raio-X do aeroporto é de um astrônomo. Ele foi a primeira pessoa a ter a ideia de como tirar radiografia do espaço. Não recebemos as ondas na Terra, porque a atmosfera bloqueia, mas teria que mandar um satélite e detectar o Raio-X. Ele desenvolveu isso e depois aplicou nas máquinas de aeroportos. Existe toda uma história de inovação saindo do laboratório específico das universidades, dos departamentos e indo para a indústria.

A pesquisa científica pode ser usada para melhorar a gestão das empresas? No dia a dia?
Hoje usamos muito os aplicativos. Para ter uma sacada de qual vai revolucionar o seu negócio, é preciso ingenuidade e criatividade, os dois juntos. Leia sempre muito o que está acontecendo em Ciências e pode ter essas sacadas que vão ajudar na gestão do negócio. Informe-se sobre o que está acontecendo nos laboratórios e tente aplicar na empresa. Nos Estados Unidos, isso é até corriqueiro. Uma das áreas mais importantes atualmente é a mineração de dados. É preciso ter outras ferramentas que ajudem a ler e a interpretar as milhares de informações. Vai olhar como a NASA faz, como os físicos estão fazendo. Geramos terabytes de dados em segundos, como o cientista lida com isso? Como ele gerencia esses dados? É importante não tentar reinventar a roda. Se ela já foi inventada, basta aprimorar. Procure saber como encontramos soluções para a nossa área e se inspire para trazer aquilo para o seu negócio.

Como você vê a nova geração de estudantes? Consegue enxergar um pouco de si neles?
Eles são tão acostumados com internet e isso faz com que sejam um pouco vulneráveis. As Fake News (notícias falsas) são produto disso. Eu passo boa parte do meu tempo tentando explicar que eles precisam checar as fontes e que nem tudo na internet é necessariamente verdade. Esse é um dos problemas atuais da sociedade. Eles não conseguem filtrar bem e isso me assusta. Eu vejo um jovem de 20 anos com acesso a um mundo de informação e não sabe filtrar o que tem validade e o que é falso. Isso é um problema sério e me faz questionar como nós falhamos na educação desse jovem.