Desistir não é uma opção

Desistir não é uma opção

Amyr Klink atravessou o oceano atlântico em uma canoa adaptada e provou que, com planejamento, qualquer tarefa pode ser realizada. Inspire-se NELE para as ideias em seu negócio

por Paulo Gratão

Qualquer projeto, independente do porte, precisa de um planejamento. E não apenas alguns rabiscos iniciais, mas um direcionamento detalhado. A sobrevivência da ideia e, em alguns casos, a própria sobrevivência, depende do quanto o idealizador se preparou para a jornada que pretendeu construir para si mesmo. Isso pode ser um planejamento simples ou uma travessia de canoa pelo oceano.

Percalços estão por toda a parte e Amyr Klink, um dos velejadores mais famosos do mundo, que ousou atravessar o Oceano Atlântico em uma canoa adaptada, antes de qualquer GPS ser inventado, em 1984, sabia que deveria prevê-los ou, pelo menos, criar um ambiente que o ajudasse a solucioná-los, se quisesse chegar vivo ao fim de sua viagem.

O velejador conta, em entrevista exclusiva à Revista Franquia & Negócios, que mais importante do que colocar o barco na água foi traçar tudo que o levaria em segurança ao seu destino, saindo da Namíbia, na África. “A preparação foi complexa, burocrática e quase traumática. Quando comecei a viagem eu estava assustado com o frio, mas aí só faltava a parte mais fácil: remar para o Brasil”, explica.

Confira os principais trechos da conversa na entrevista a seguir. Klink será um dos palestrantes da ABF Franchising Week, que acontece entre os dias 25 e 30 de junho, em São Paulo.

O que o motivou a decidir atravessar o oceano em uma canoa?
Eu me encantei pelo remo como esporte. Não tem como cortar caminho, não tem truque ou decisão de juiz. Se pegar os maiores remadores do mundo e colocá-los juntos em um barco, não anda. Não se vence pela força e sim pelo conjunto. Quanto mais fortes, pior o desempenho se não houver conjunto. Quando voltei a Paraty (RJ) comecei a rabiscar a ideia. Havia 19 travessias traçadas do Oceano Atlântico e metade deram errado porque foram mal planejadas. Fui juntando as peças, começou como uma brincadeira e acabou virando um projeto.

O que você considera que foi determinante?
Foi preciso uma capacidade de organização e um sincronismo muito grandes. Foi uma experiência que, no fim das contas, eu adorei. Não tinha espaço para redundância, não tinha GPS, eu precisava saber astronomia e ter controle extremamente rigoroso de água e mantimentos.

Como você se preparou?
Eu tinha estudado Economia e Administração, fui trabalhar em banco e nunca havia colocado em prática um plano de negócio. Comecei a me dedicar quase como um esporte. Estudei os casos que deram certo, os que fracassaram, calculei a média que cada um percorreu e onde houve erros. Nasceu um plano que eu batizei de dossiê amarelo.

O que tinha no dossiê amarelo?
Estudos de correntes, dados históricos sobre frequência de embarcações em determinados trechos e sobre sobrevivência no mar. Estudei naufrágios, problemas de doenças e alimentação. Virou um projeto bastante complexo. Li recentemente o dossiê e percebi que quem tivesse a paciência de ler tudo até o fim terminava crente de que era possível.

Você pensou em desistir durante o planejamento?
Várias vezes, porque deu tudo errado. Eu tinha problemas financeiros, por exemplo, mas não queria considerar desistir. Nesse mesmo projeto eu escrevi que não faria nenhuma concessão que afetasse a execução ou a segurança da viagem. Se precisasse mudar, eu preferia cancelar o projeto. Muitas decisões foram difíceis, mas eu estava bastante seguro: até onde eu tiver solução, vou tentar.

Recebeu apoio de amigos e parentes?
A família só soube nos últimos minutos. Durante dois anos eu ouvi do pessoal especializado em remo e dos amigos que eu ia morrer, que muita gente já morreu nesse trajeto. Eu explicava o cuidado que estava tendo. Olhando hoje o documento que eu escrevi na época é muito mais impressionante do que a própria travessia. Aos poucos, os críticos foram percebendo que ia dar certo. As pessoas que tiveram acesso ao dossiê amarelo mudaram de ideia. Houve alguns jornalistas que me ajudaram bastante. Os bastidores da viagem foram bem emocionantes

Dizem que a liderança é solitária e imagino que, nesse projeto, tenha sido ainda mais solitário passar tanto tempo no mar. Como foi a sensação, como você se auto motivava?
A preparação foi complexa, burocrática e quase traumática. Quando comecei a viagem eu estava assustado com o frio, mas aí só faltava a parte mais fácil: remar para o Brasil. Foi tão importante colocar em prática, eu estava tão entusiasmado, que o resto foi secundário. O inicio foi difícil, mas não era infinitamente mais terrível do que as dificuldades burocráticas que eu tinha deixado para trás. Você constrói uma rotina, faz acréscimos de desempenho. De certa maneira, eu nunca deixei de coordenar informações.

Como você mantinha contato com as pessoas?
Tinha um rádio amador que me colocava em contato com a família. E também havia os comentários dos jornais da África do Sul, que foram evoluindo: “Brasileiro louco vai se matar”; “O Capitão coragem realizou 35%”; “capitão Klink atravessou metade do Atlântico” etc.

Em outras entrevistas você chegou a dizer que “excesso de conexão é ruim” e “saber do progresso minuto a minuto pode atrapalhar”. Fazer essa travessia hoje em dia seria uma experiência diferente?
Hoje existem dois problemas: excesso de informação e o fato de que as pessoas passam muito tempo compartilhando o que fazem, ao invés de terminarem o que estão fazendo. Além disso, há informações mais modernas que acabam viciando navegadores, que perdem capacidade de raciocínio. Tem frota de barcos piratas que não usam o sistema de navegação. Por isso, o navegador só mostra parte da realidade. Esse problema do trânsito hoje é muitas vezes pior. Tem lugares em alto mar em que se encontra um navio a cada 40 segundos. Por outro lado, hoje eles podem usar GPS em um tablet; ajuda a acompanhar o progresso, minuto a minuto. Na época, não tinha isso. A navegação meteorológica tinha erro de mais de 30 km. É um baita erro. Hoje tem quatro ou cinco metros como erro máximo. Eu tinha uma posição estimada a cada três dias. Até isso ajudou porque eu focava mais no desempenho.

Como estabelecer um paralelo entre sua jornada e a empreitada atual de empreendedores?
O fator comum é que precisa conseguir sincronismo, harmonia e conjunto. Vivemos em um País em que a burocracia afeta tanto! Passamos a maior parte do tempo para atender a legislação e tributos. Atuo em uma atividade onde o segredo da sobrevivência é a excelência, pois barco afunda; empresas não afundam. Levam cinco, seis anos para “afundar”. Na sociedade as pessoas berram por direitos, no barco ninguém tem direitos. Todos têm que resolver os problemas senão todos afundam. É um grande desafio para a nossa cultura. Não é uma característica nossa.

 

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