A vez do híbrido

A vez do híbrido

O gerente de recrutamento da Robert Half, Vitor Silverio, explica por que a jornada de trabalho que mistura dias presenciais com remotos é apontada como a opção mais cobiçada no pós-pandemia

Os primeiros protocolos de saúde e segurança para conter o avanço do novo coronavírus começaram a ser adotados no Brasil em meados de março de 2020. Tais medidas dentro do mundo corporativo impulsionaram o home office – que não necessariamente se refere ao funcionário trabalhar em casa, podendo ser “anywhere office” (escritório em qualquer lugar, em tradução livre).

Com certa flexibilização das medidas ao decorrer dos meses, no entanto, o modelo de trabalho que ganhou força é o híbrido, ou seja, o que alterna dias presenciais e remotos. Ele, inclusive, já é considerado como o padrão do futuro. Pelo menos é o que aponta a 14ª edição do Índice de Confiança Robert Half (ICRH).

O levantamento feito pela consultoria de Recursos Humanos Robert Half traz a percepção de mercado de recrutadores e profissionais empregados e desempregados. A última edição do levantamento foi realizada entre 10 e 25 de novembro de 2020 e sondou 1.161 brasileiros.

Na entrevista a seguir, o gerente de recrutamento da Robert Half, Vitor Silverio, aponta os principais insights do ICRH e o impacto da jornada híbrida no ambiente corporativo, uma vez que gestores e colaboradores já reconhecem que podem ser igualmente produtivos trabalhando em casa ou no escritório.

Como a jornada híbrida era encarada pelas empresas antes da pandemia de Covid-19?
Antes do novo coronavírus aparecer, a jornada híbrida só costumava ser adotada por empresas de tecnologia. Ainda assim, isso era considerado como um benefício, não como algo fixo. O resto do mercado, por sua vez, não via a prática com bons olhos. Tanto é que, em 2019, o Índice de Confiança Robert Half notou que o percentual de posições remotas era inferior a 5%. Em 2020, esse número saltou para 80%. E o modelo continuará como tendência em 2021. Até porque a pandemia ainda é uma realidade e 61% dos profissionais não se sentem à vontade para voltar ao escritório.

Por que você acredita que a jornada híbrida se tornou o melhor modelo de trabalho para o mercado adotar daqui para frente?
Porque, principalmente, é um modelo que os próprios profissionais e gestores elegeram como o melhor a ser seguido. Quando fizemos essa pergunta a eles, 47% afirmaram que gostariam de trabalhar mais dias em casa e menos dias no escritório. Isso ocorre porque eles notaram que podem ser produtivos mesmo longe do ambiente corporativo. A eficiência foi comprovada após todos esses meses de “anywhere office” e vai impulsionar a consolidação do modelo híbrido de forma definitiva.

No caminho inverso, no entanto, 9% dos entrevistados pela Robert Half discordam que as equipes híbridas devem dominar o mercado. O que essa pequena parcela enxerga de errado no modelo?
Primeiramente, eles acreditam que há uma piora no engajamento entre os profissionais, pois os colaboradores deixam de trabalhar em equipe para atuar de forma mais individual. O segundo ponto é que algumas pessoas sentem dificuldades em ser produtivas com uma série de distrações pela casa. E tem ainda um apontamento exclusivo dos gestores, que dizem que é muito difícil transmitir cultura, missão, visão e valores porque isso é algo subjetivo e que é formado no próprio ambiente de trabalho.

Existem estratégias ou técnicas que podem reverter esses pontos negativos?
Sim. A primeira dica é encontrar formas de manter a equipe unida. Um exemplo é criar um período de distração para envolver todos os funcionários, como uma espécie de encontro digital para substituir a tradicional pausa do cafezinho. Também é importante pensar em uma comunicação direta e clara. O gestor deve mostrar qual é tarefa que ele quer que seja feita, bem como de que forma e o retorno esperado. No ambiente on-line não há espaço para ambiguidade.

Deixando de lado os contras, o que você apontaria como as principais vantagens do trabalho híbrido?
Quando o assunto é benefício, 66% dos colaboradores consultados pelo ICRH apontaram a flexibilidade de horário, local ou jornada. Isso porque, hoje, os profissionais preferem ser avaliados por sua performance ou suas entregas de tarefas do que pelo período de trabalho, o tradicional de segunda à sexta-feira, das 9 horas às 18 horas.

A jornada híbrida pode ser aplicada em qualquer tipo de negócio ou o modelo conversa melhor com determinados nichos?
Em linhas gerais, não vejo um setor que se destaque mais no uso da jornada híbrida. O que eu percebi é que existem empresas que saíram na frente ao aplicar o modelo porque, lá para 2019, já tinham notebooks no lugar dos desktops e trabalhavam com dados na nuvem, por exemplo. Agora, dentro das companhias em si, é possível notar que as áreas corporativas estavam mais preparadas para essa mudança, como finanças e contabilidade, jurídico, vendas e marketing, recursos humanos.

Essa abrangência significa que as franquias também podem apostar no modelo híbrido?
De forma geral, a reivindicação dos funcionários é que, no pós-pandemia, as empresas continuem com estratégias apresentadas pelo modelo híbrido, como canais e ações de suporte à saúde mental, auxílio home office e treinamentos preferencialmente on-line. Se as franquias conseguirem administrar essas medidas na rotina, será ótimo. Acredito que as empresas de todos os segmentos que perceberem que esse é o futuro, estão à frente. Já passou da hora de investir em tecnologia.

Com a pandemia, não só o trabalho se adaptou ao digital, as entrevistas de emprego também passaram a ser feitas virtualmente. O que mudou na dinâmica?
Os recrutadores apontam que a Covid-19 representou a queda no modelo tradicional, sendo possível notar três principais mudanças. Primeiramente, houve a ampliação do leque geográfico. Agora, uma empresa não precisa contratar alguém da sua região, é possível trabalhar com pessoas que estão em outros estados e até países. O segundo ponto é a desmistificação do olho no olho. Após meses de pandemia, percebe-se que é possível, sim, recrutar sem uma entrevista presencial. Por fim, o processo ficou mais ágil. O candidato não precisa mais participar de várias etapas.

A crise da Covid-19 também paralisou o mercado de trabalho. Uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontou que, entre maio e outubro de 2020, o País viu uma alta de 35,9% no desemprego. Como você enxerga este cenário para 2021?
Na verdade, a Robert Half está bem otimista este ano. Na edição anterior do ICRH, realizada entre 11 e 27 de agosto de 2020, a percepção entre os entrevistados era que o pior estaria ficando para trás. O mercado começava a notar uma virada de chave, em que as vagas estavam entrando e o otimismo de gestores, empregados e desempregados estava crescendo. A 14ª edição do índice veio para comprovar isso. No final de 2020, já era possível notar 2,5 vezes mais ofertas de emprego. E essa crescente tem tudo para continuar.