Vai dar Samba

Vai dar Samba

Clique aqui e acesse todo o conteúdo desta edição.

Em janeiro de 2012, os bombeiros foram acionados para combater um incêndio de grandes proporções que atingia o barracão da agremiação Mocidade Alegre, na zona oeste de São Paulo. Notícias da época davam conta de enorme névoa que cobria a região da Barra Funda. A ponte, sob a qual ficavam armazenados materiais utilizados em carnavais anteriores, foi interditada. Faltando pouco mais de um mês para o carnaval, a escola conseguiu reunir o que restava e trabalhar em dobro para que o oitavo título fosse conquistado. “Minha escola fez um mês virar dois e fomos campões”, afirma a presidente da Mocidade Alegre, Solange Bichara.

Porém, antes do final feliz, o episódio dava indícios de ser uma releitura indesejada do trauma que acontecera um ano antes, quando a escola viu o trabalho desfalcado por um carro alegórico quebrado, ainda na concentração, prejudicando o desfile do enredo Carrossel das Ilusões (o tema era sobre fantasia e sonhos). O incidente derrubou a agremiação para a sétima colocação no ranking geral. “Deu um desespero, mudamos todo o esquema na hora da ocorrência. Minha escola se uniu e me surpreendeu, ainda ficamos à frente de várias agremiações”.

A escola é a atual campeã do carnaval paulista e a que mais detém títulos (são nove, no total). Mesmo sem os incentivos que as agremiações do Rio de Janeiro recebem do estado, Solange se dedica há onze anos a transformar a vida das pessoas envolvidas na Mocidade Alegre. A presidente, inclusive, tem ministrado palestras sobre empreendedorismo e engajamento em empresas que buscam inspiração na metodologia carnavalesca para envolver as equipes.

O principal ingrediente para o sucesso é a crença de que a união pode mudar o rumo das coisas, na visão de Solange, conforme os dois exemplos citados na abertura do texto. “Eu acredito muito na união, conseguimos fazer a escola entender que unidos, com nossa força, tudo daria mais certo”. Na entrevista a seguir, a presidente fala sobre a rotina da Mocidade Alegre, os desafios de gestão, de mão de obra e quais as práticas de uma campeã.

Qual é a estrutura da escola atualmente entre funcionários e voluntários?
Meses antes do Carnaval, a escola gera empregos. nosso barracão trabalha com média de 60 e 70 pessoas, mas trazemos muita gente de fora. São Paulo não forma mão de obra carnavalesca. Agora com a Fábrica do Samba e os cursos oferecidos, pode ser que isso seja fomentado. São Paulo ainda é carente, e geramos muito emprego. O voluntariado é de quem já frequenta a escola. Temos 200 pessoas ativas e algumas que só vêm nessa época. Temos departamento de marketing, departamento jovem, cultural e de eventos, todos geridos por voluntários.

Há um grande grupo de pessoas engajadas à causa da escola voluntariamente. O que as move?
É essa coisa da união, trabalhamos muito com motivacional. Independe da formação que a pessoa tenha. Dentro da escola de samba ela exerce diversas funções. Temos exemplos de várias classes sociais que se destacam e viram diretores, isso mexe com autoestima também. Procuramos identificar dentro da comunidade pessoas com esses perfis.

Como funciona a escolha de temas para o samba enredo?
O carnavalesco nos traz opções e nos reunimos na comissão. Quando vai se apresentar, ele vem com uma defesa e tem que nos convencer que vai dar um bom enredo, dar samba. Nosso foco é um só: ser campeã.

Com quanto tempo de antecedência acontecem os preparativos para o próximo carnaval? Como se organizam?
Mal acaba um carnaval começa outro. Esse ano já é na segunda semana de fevereiro, no próximo ano é dia 3 de fevereiro. Temos que nos adequar, isso faz com que nos empenhemos cada vez mais. Esse planejamento é muito legal, ajuda a montar o cronograma do ano. Eu já estou pensando no próximo enredo agora e esperando a peça do carnavalesco.

Quais são as similaridades entre uma escola de samba e o mundo corporativo? Quais são os desafios que você precisa enfrentar enquanto gestora de toda a estrutura?
A escola de samba tem metas a atingir, foco e ideal. Colocamos esses objetivos diante do nosso trabalho. As dificuldades que encontramos são as mesmas de uma grande empresa. Trabalhamos todos os dias das 8 horas às 18 horas, e à noite muitos ficam como voluntários. Temos workshops, palestras, shows e a parte social que damos atenção. Temos escolinha de bateria, de mestre sala e porta bandeira, mas as crianças têm que estar bem na escola. Hoje temos que nos dedicar tempo integral à escola. Tem demanda o tempo inteiro.

Você promove encontros com os funcionários e voluntários para sentir o clima? Como funciona a gestão?
Temos várias reuniões durante o ano, gerais e especificas. Medimos no termômetro o desem­penho­­ nos ensaios específicos, vamos vendo necessidades. Montamos vários tipos de reunião, tanto para “chamar na chincha”, dar bronca ou para avaliar. Fazer as pessoas entenderem e acordarem para aquilo.

Os incentivos menores por parte do Poder Público paulista, tendo em vista o carioca, dificultam os trabalhos?
Eu acho que se o Poder Público olhar para nós como cultura facilita bastante nosso trabalho. Ainda não temos um incentivo da Secretaria da Cultura, o que seria importante para a comunidade. No Rio é diferente, o governo do estado ajuda, aqui em São Paulo não. Eles têm projetos sociais e nós não. Eles vêm buscar aqui em São Paulo coisas que não têm lá. A menor verba que recebemos é a da Prefeitura, em compensação o que o carnaval traz em nível de turismo? Isso não é divulgado. A audiência da transmissão televisiva do desfile das escolas de São Paulo é maior do que das escolas do Rio de Janeiro. Isso é uma luta constante nossa.

Já enfrentou desafios por ser uma mulher à frente da organização?
A todo momento, mas eu não me deixo dominar, não me faço de coitada. Eu me comunico muito, gosto de conversar, falar. O homem não teria essa paciência, o poder da conversa. Sou representante de uma comunidade, tenho por obrigação brigar por ela.

Você ministra palestras em empresas e participa de eventos voltados ao empreendedorismo. Qual visão você leva para esses ambientes? O que as empresas buscam?
Eles sempre buscam algo diferente, procuro entender o que eles querem e o que eles esperam. Busco agregar o lado da escola de samba com o lado empresarial. Na empresa, o indivíduo se formou para estar lá e recebe para isso. Na escola de samba não, você recebe a troca e o reconhecimento. Mostro para eles que se formaram, que nós fazemos por amor. Não adianta chegar desmotivado no trabalho se foi você que escolheu isso.

 

Veja alguns artigos interessantes do Portal do Franchising, clique e te levaremos para lá: