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Prova de resistência

JORNAL ECONÔMICO – GLEISE CASTRO – 25/07

A desaceleração da economia e a queda das vendas no comércio afetaram o setor de franquias, que vem mantendo taxas de crescimento de dois dígitos há uma década. Mas o impacto não está sendo tão forte e as expectativas são de que o setor continue crescendo até o fim do ano, embora em ritmo menor do que o inicialmente previsto. A Associação Brasileira de Franquias (ABF) reviu sua previsão inicial de aumento do faturamento das redes neste ano de 16% para 14%.

O número de novos franqueados também diminuiu, o que demonstra, segundo analistas, que os potenciais investidores estão demorando mais para tomar a decisão de ingressar nesse modelo de negócio. “Teremos um segundo semestre mais difícil do que o primeiro”, diz Cristina Franco, presidente da ABF. A entidade prevê para 2013 aumento de 10% no número de redes e de lojas, percentual menor do que em 2012.0 setor fechou 2012 com 2.426 redes (crescimento de 19,4%) e 104.543 lojas (12,3%).

Em momentos de retração econômica, o negócio de franquias no país tem se provado resistente. Por isso é um dos últimos setores a entrar em uma crise e um dos primeiros a sair. “O setor tem marcas com 60 anos. Já enfrentou momentos de recessão, várias trocas de moeda e se aprimorou. A constância de crescimento nos últimos dez anos vem desse aperfeiçoamento na maneira de fazer negócios”, diz Cristina.

Para ela, a postura proativa do setor na conquista de resultados e de reagir rapidamente às adversidades, o torna mais preparado para enfrentar o quadro atual. “Nem temos certeza de que o cenário se tornará recessivo. O que está acontecendo é uma revisão do crescimento do PIB e crescimento menor do faturamento das redes neste ano”, avalia.

Como reflexo da retração do varejo, a venda de unidades franqueadas caiu 15%, mas o número cie empresas querendo franquear seus negócios tem mantido o mesmo ritmo, conforme análise de André Friedheim, diretor da consultoria Francap. Segundo ele, aumentou também, em 10%, o número de repasse de franquias, de um franqueado a outro. Apesar disso, de acordo com o consultor, a entrada crescente de novos franqueados, a um ritmo de 10% a 12% por ano, tem sustentado o faturamento das redes, cuja taxa de crescimento tem se mantido em torno de 15%. “O setor continuará crescendo, mas em ritmo menor.”

Sustentados pela nova classe C, alguns segmentos são menos afetados, como educação, alimentação, serviços em geral e turismo. “A nova classe média continua alavancando o consumo”, diz Friedheim.

A migração da indústria para o varejo, por meio do sistema de franquias, é outro fator que impulsiona o crescimento do setor. Um exemplo é o setor de telefonia, cujas lojas vendem de aparelhos a planos de serviços. É o caso da Samsung, que está montando lojas no Brasil, via franquias.

O momento é também de oportunidades, tanto de negócios quanto de renegociação de custos, como o aluguel em shoppings e a reforma das lojas. Para Marcelo Cherto, presidente do Grupo Cherto, que representa 70 marcas, o momento se caracteriza como um freio para arrumação. “Estava na hora desse freio e estou achando positivo. Vai acabar com alguma fantasia e exageros”, diz.

Apesar do recuo nas vendas, o setor de franquias continua mantendo uma margem de lucro média atrativa, entre 5% e 10%, segundo Claudia Bittencourt, diretora-geral do Grupo Bittencourt. “É uma rentabilidade melhor do que qualquer aplicação financeira. O cenário é preocupante, mas não desfavorável”, diz. Para ela, não hã, por enquanto, nenhum forte indicativo de eventual crise no sistema. O que está havendo, a seu ver, é que os novos investidores estão mais cautelosos. Mas o setor continua reunindo muitos fatores favoráveis ao crescimento. Enquanto nos Estados Unidos cada franqueador tem, em média, 500 franquias, no Brasil essa média é de 80, o que significa que ainda há espaço para expansão.

O setor está sendo menos afetado também em regiões mais distantes dos principais centros de consumo, como o Nordeste, que registrou forte crescimento econômico nos últimos anos.
Para Marcus Rizzo, da consultoria Rizzo Franchise, o consumidor de áreas mais carentes que ascendeu ao mercado vai continuar consumindo. “Se a retração econômica persistir, o que deve acontecer é diminuir a entrada de novos consumidores”, afirma. Segundo levantamento da Rizzo Franchise, o faturamento das redes de franquias no Nordeste em 2012 atingiu R$ 2,73 bilhões, 6,6% acima do registrado um ano antes.

“Nos últimos quatro anos o Nordeste se tornou um mercado fantástico”, diz Silvio Korytowski, diretor de expansão da Hope, que tem fábrica em Maranguape (CE) desde 1999 e atua como franquia na região desde 2008, com um total, hoje, de 20 lojas. Das 50 lojas que pretende abrir no país este ano, oito irão para o Nordeste. Segundo Korytowski, a nova classe C fez com que o mercado nordestino crescesse e o consumidor da região ficou mais exigente.

Com 80 lojas, em 14 Estados, a CreclFacil, intermediadora de crédito criada em 2004 e desde 2009 no sistema de franquias, não vê nenhum sinal de crise. “Pelo contrário, a demanda de pedidos de empréstimo está aumentando”, diz André Oliveira, dono da marca. Voltada para o público C e D, ela se expande para o Nordeste, onde tem seis lojas e pretende abrir mais oito até o fim do ano.

Já a Oficina Brasil, rede de centros automotivos para serviços rápidos de suspensão, escapamento, freios e injeção eletrônica, desde 1998 no mercado de franquias, adiou alguns planos de expansão. Mas a operação já está retomando a trajetória anterior, o que faz Antônio César Costa, gerente de expansão, prever crescimento de 10%a 15% no faturamento deste ano e de 20% em 2014.

Mercado acelera tendência de consolidação das marcas

A reação ao momento de vendas fracas foi rápida e algumas tendências, que já vinham sendo desenhadas no mercado de franquias nos últimos anos, estão sendo aceleradas. Uma delas é a consolidação, com marcas se unindo para operar em conjunto e outras criando ou comprando novas marcas para atuar em vários mercados, dentro do guarda-chuva da marca principal. No ano passado, o grupo Boticário lançou a marca de maquiagem Quem Disse, Berenice, para o público mais jovem, enquanto Balonè, Imaginarium e Puket, de acessórios femininos, criaram a Love Brands, formato de loja conjunto, destinado a cidades menores, hoje com 11 unidades que elevem chegar a 20 até o fim de 2013.

Outra tendência é a de franqueados montarem redes de várias lojas, de uma mesma marca ou de marcas diferentes. Com a economia de escala, o custo diminui e o público se diversifica. “O momento é de fazer uma melhor gestão de clientes”, diz Marcelo Cherto, da Cherto Consultoria.

Na Di Santinni, rede de calçados e acessórios, com 35 lojas próprias e 85 franqueadas, 55% dos franqueados têm mais de uma loja. “É uma rede heterogênea, com até oito lojas de um mesmo franqueado”, diz Priscilla Ortolani, gerente de franquias da marca. Com fábrica em São Paulo, a empresa também adquire produtos de outros fabricantes, mantendo um regime de compras contínuas, sem seguir coleções, o que faz com que tenha lançamentos o tempo todo. Dirigida aos públicos B e C, a marca proporciona preços acessíveis ao franqueado e grande variedade de produtos, graças a seu poder de barganha. Segundo Priscilla, o franqueado vende os produtos por preços duas vezes e meia maiores do que o que paga à marca. “Se não estivesse dentro da nossa rede, não poderia compartilhar esses preços. Isso faz com que venda mais e tenha maior rentabilidade. O negócio se torna atrativo e ele abre mais de uma loja”, afirma.

A rede da Di Santinni concentra-se no Rio, onde tem 66 lojas, das quais 43 franqueadas no Norte e Nordeste. Até meados do segundo semestre, pretende abrir oito lojas no Nordeste e interior do Rio. Depois das quedas nas vendas entre janeiro e abril, mais no Sudeste do que no Norte e Nordeste, a partir do partir do Dia das Mães a empresa recuperou o movimento. Para 2014, espera maior crescimento.

Já o franqueado Norberto Lichtenstein, de Sâo Paulo, trabalha com franquias há 15 anos e opera com 24 lojas, de sete marcas, em Sâo Paulo, Rio e Santos (SP), 23 em shopping centers e uma de ma, em São Paulo. Sâo dez lojas do grupo Hering, com as marcas Hering, Puc e Hering Kids, três da Arezzo, duas da Puket, seis da Magic Feet e três da austríaca Swarovski, de cristais.

De família com tradição no varejo de roupa infantil, Lichtenstein diz que ter mais de uma loja em um shopping facilita a administração do negócio. “A ideia foi concentrar para trabalhar melhor a supervisão das lojas”, relata. Depois, foi agregando marcas complementares. “Não mudamos radicalmente o negócio. Foi uma expansão natural para atender o cliente”, diz.

De acordo com Lichtenstein, as vendas no setor não escaparam da queda no varejo, mas não estão tão ruins. “Estão andando de lado”, resume. As liquidações tiveram de ser mais fortes e antecipadas, pois os estoques estavam muito altos.