O criador do fast-food no Brasil

Matéria reproduzida da revista Franquia Negócios – Edição 42

criador-fast-food-brasil-revista-franquia-negocios-ed-42-2012(1)

Ao lançar o hot dog, o hamburger, o milk shake e o sundae, o lendário esportista Robert Falkenburg deu início, sessenta anos atrás, a uma profunda mudança cultural no País.

Por Gerson Genaro

Ele colocou seu nome na história em pelo menos dois momentos ao longo de sua vida. Primeiro, como vencedor no templo do tênis mundial, em Wimbledon, Inglaterra. E, logo em seguida, como astro primordial do fast-food do Brasil, no tempo em que o conceito nem existia em nosso país.

Uma lenda viva do consumo, Robert Falkenburg – o criador da marca que teve o mérito de unir gerações por seis décadas consecutivas e continua mais forte do que nunca, presente em aproximadamente mil pontos de venda e na vida de seus milhões de admiradores ocupa, de forma inquestionável,  um lugar especial entre os maiores empreendedores do Brasil. Algo muito raro em um mundo que consagrou o princípio da mudança permanente, em que nada é para sempre, tudo muda,  conforme comprovam o incansável nascimento e desaparecimento de todos os impérios; ou de pessoas, na vida social, e de empresas e marcas, no ambiente corporativo.

A sua trajetória no setor de alimentação rápida até hoje é capaz de surpreender pela capacidade inovadora e pioneirismo no desenvolvimento de produtos e relacionamento com os clientes, bem como na introdução de meios de produção e técnicas de gestão. Foi o primeiro, por exemplo, representante de uma franquia internacional no País, ao lançar a sorveteria Falkenburg que originou, em seguida, a rede Bob’s. Adquiriu da Foster Freeze os direitos de explorar as fórmulas dos sorvetes que saiam direto da máquina para a casquinha, um sucesso estrondoso desde o início, que atraia pessoas de todas as idades, como o maestro Villa-Lobos, fã do sorvete de baunilha com calda quente de chocolate.

A marca recebeu o beijo da eternidade já no berçário, ao ser lançada por seu criador, que soube, como poucos, despertar o paladar dos brasileiros. Mais do que isto, sua preocupação obstinada com a qualidade – em sempre ter o que existia de melhor em processos, produtos e  serviços, tudo nos mínimos detalhes -, infundiu na rede que carrega seu nome a  base genética responsável por sua longevidade  e por colecionar crescentes legiões de admiradores no Brasil e Exterior.

Uma celebridade na década de 50, poucos conhecem sua história ou ainda se lembram da sua importância para um setor em franco crescimento no Brasil e no mundo. Ao lançar o hot dog, o hamburger, o milk shake e o sundae,  o lendário esportista Robert Falkenburg  deu início, sessenta anos atrás, a uma profunda mudança cultural no País. Bob, como era chamado pelos amigos, preparou os primeiros produtos, atualmente os mais consumidos no mundo, sem se dar conta de que fazia parte do nascimento de um mercado gigantesco, baseado no modelo  de restaurantes que servem comida com rapidez e a preços relativamente baixos.

Somente nos Estados Unidos o setor emprega mais de quatro milhões de pessoas  e gera receita anual superior a U$ 200 bilhões. Líder mundial na demanda, sua população consome cerca de 12,3 bilhões de unidades por ano, média de 40 unidades por pessoa.

Um levantamento recente – Relatório de Tendências do Consumidor de Hamburger – mostra que o consumo vai continuar em alta entre os americanos. Quase metade dos consumidores de hoje (48%) irá comer um hamburger pelo menos uma vez por semana, acima dos 38% em 2009. Um dos últimos fóruns americanos de estudos da alimentação previu que o hamburger será o prato mais difundido no mundo até 2020.

O brasileiro também adora frequentar os restaurantes de fast-food. No Brasil, estudo da Associação Brasileira de Franchising (ABF) estima existirem 41 cadeias de alimentação rápida apenas no setor de franquias, que, juntas, somam 5,3 mil lojas e faturam mais de R$ 15 bilhões. Oito em dez brasileiros comem em algum fast-food pelo menos uma vez por mês. Somente na rede Bob’s passam, por exemplo, mais de 10 milhões de pessoas por mês. A rede comercializa ainda cerca de 180 milhões de produtos anualmente.

Resiliência, a marca registrada

Dono de um dos saques mais poderosos em sua época, o nova-iorquino (do bairro de Brooklin), Robert Falkenburg, cujo nome pulsa em aproximadamente mil pontos comerciais da rede Bob’s atualmente, foi duas vezes campeão em Wimbledon – 1947 (dupla) e 1948 (simples). Antes, em 1946, havia vencido um torneio no Rio. Foi quando percebeu que existia enorme potencial para um futuro negócio. Procurou, e não achou, um bom milk shake na cidade. A oportunidade ficou registrada em sua mente.

O seu faro para negócios é despertado ao retornar ao País em 1950 – com apenas 24 anos, para iniciar a história do fast-food no Brasil. Em meados de 1950 mudou-se para o Rio de Janeiro com a esposa, Lourdes Mayrink Veiga Machado, com quem casara três anos antes, em março de 1947, no Outeiro da Gloria, e teve dois filhos (Robert e Claudia Falkenburg). Conheceu Lourdes em 1946 na praia, em frente ao Hotel Copacabana Palace, apresentada por amigos.

Sua incursão mitológica no mundo dos negócios começa em 1951 com a Falkenburg Sorveteria Ltda. Bob vendia exclusivamente sorvete de baunilha, com máquina e receita trazidas dos Estados Unidos (era amigo do dono da Foster Freeze, companhia americana de sorvete, que buscava levar o conceito para outros países).

‘Eu morava em Los Angeles e meu amigo perguntou: você gostaria de ter uma franquia de sorvete? Ele possuía uma cadeia de lojas e ofereceu: ‘Eu poderia te dar o Arizona, Havaí ou alguns outros lugares’. Então eu perguntei: ‘E o Brasil?’. Ele disse: ‘Tudo bem, você pode ficar com o Brasil se quiser’. E então comprei os direitos para o Brasil e todo o equipamento (duas máquinas, pasteurizador, e a fórmula) para montar a sorveteria aos poucos. Depois vieram os sundaes, as diferentes opções de pedidos, que se transformaram em sanduíches, hot dogs e outras novidades’, lembra Bob.

O capital inicial para implantar o negócio foi obtido junto ao lado familiar de sua esposa brasileira, uma vez que ele, isoladamente, não dispunha dos recursos necessários para viabilizar a importação dos equipamentos. Por ironia do destino quase a rede não se inicia por um problema burocrático. Depois de tudo pronto, Bob não conseguia fazer a operadora ligar a eletricidade em seu ponto comercial em Copacabana. Após construir a loja, ficou quase um ano com as portas fechadas. Decepcionado com a demora, já tinha decidido ir embora do Brasil quando tentou uma última cartada. Teve a intuição de ir ao centro do Rio para falar diretamente com o presidente da concessionária de energia, que orientou os técnicos a fazer a ligação. Foi pura sorte de campeão: ‘Deus soprou em meu ouvido: vai lá e fala com o presidente!’

E foi exatamente assim que tudo começou, com dor e sofrimento, como nas boas histórias em que surgem grandes obstáculos para testar a capacidade de superação dos eleitos para brilhar. Sua maior alegria no Brasil foi ter conseguido abrir a primeira loja. Mas o começo foi um teste de ferro. Chegava à loja às seis horas da manhã para preparar os produtos, sucos, as caldas dos sorvetes. E saia até depois da meia noite. Muitas vezes dormia no local, porque tinha que estar no batente no dia seguinte logo cedo.

Em 52, quando o negócio pegou, em Copacabana, já com a marca Bob´s, a loja transforma-se em um local de encontro. As pessoas saiam dos dois cinemas perto – o Roxy e o Rian  – para conferir as novidades. Nesta época, o Rio de Janeiro, então Distrito Federal, tinha 2.451.000 habitantes. A Rádio Nacional levou ao ar a novela ‘O Direito de Nascer’, de enorme sucesso de audiência. E começava a funcionar a TV Tupi, no prédio onde se localizava o Cassino Atlântico, com a transmissão da primeira telenovela brasileira, ‘Sua Vida me Pertence’, com Walter Foster e Vida Alves.

Uma primeira lição em sua rica biografia foi a de nunca ter desistido de seus ideais, planos e sonhos. Sempre conseguiu superar todas as dificuldades com uma determinação impressionante.

Para ele não tinha outra opção exceto fazer acontecer. Dotado de um temperamento forte, insistia até achar uma solução. Fugia da mediocridade. Tenaz, lutador e laborioso, desde os oito anos exibia a mesma garra da fase inicial de suas disputas nas quadras de tênis. Quando superou o número um do mundo era sétimo no ranking. A mesma pegada nos esportes conseguiu transmitir para os negócios. Foi ainda campeão brasileiro de golfe e vitorioso em outros jogos, como pôquer, bridge e gamão.

Seu êxito baseou-se em três pontos: serviço rápido, sempre a melhor qualidade na comida e limpeza. Robert era fanático por limpeza. Comprava sempre o melhor que podia para elaborar os produtos. E valorizava ao máximo a rapidez no atendimento. Os três itens foram fundamentais para construir a imagem do Bob’s desde o início e mantê-lo à frente da concorrência. Lá praticava a lei ‘o cliente sempre tem razão’. Os turistas nacionais ficavam deslumbrados com o serviço impecável.

Com a primeira loja, em Copacabana, Falkenburg antecipa a chegada do futuro após apresentar, aos cariocas, novidades como o sundae, milk shake, hot dog e hamburger. A expansão da rede primeiro acontece nos bairros nobres do Rio de Janeiro. As novidades, como o hamburger,  conquistam a classe média alta, artistas e personalidades. No final dos anos 50, o Bob’s já fazia parte da crônica social do Rio e do Brasil, frequentado por celebridades, gente bonita, intelectuais, artistas em geral. Harry Stone, o eterno embaixador do cinema americano no Rio, se encarregava de levar ao Bob’s os artistas de Hollywood que chegavam à cidade.

Nesta década o Brasil era visto como ‘o País do futuro’, a indústria nacional ganhava impulso, nascia a TV e, em 1956, com a eleição de Juscelino Kubitschek, teve início a construção de Brasília, inaugurada em 21 de abril de 1960 para ser a nova capital. Na música, surge a Bossa Nova, liderada por João Gilberto, Roberto Menescal, Chico Feitosa, Tom Jobim e Nara Leão.

Ouvir o cliente, o segredo

Sua preocupação obstinada com a qualidade – em sempre ter o que existia de melhor em processos, produtos e serviços, tudo nos mínimos detalhes -, infundiu na rede que carrega seu nome a boa base genética responsável pela longevidade do Bob’s. Seu relacionamento com os consumidores merece atenção à parte. Como ficava na caixa registradora, tinha um contato direto com o público de 1952 até 1956, ano que marcou a inauguração da segunda loja em Ipanema. Muitos iam ao Bob´s para conhecê-lo, até turistas de outros Estados. Rapidamente tornou-se uma celebridade no Rio. Afinal, o público poderia ver, em carne e osso, o campeão que levantou o caneco em Wimbledon. E que trouxe ao Brasil produtos de consumo desejados por todos. As pessoas iam lá devorar hambúrgueres, hot dogs, sorvetes e sundaes. Ao introduzir o novo conceito de alimentação rápida no Brasil torna-se um sucesso monstruoso.

O seu contato com o público foi fundamental no desenvolvimento dos produtos. Aprendeu a ouvir o que tinham a dizer. E ele tinha paciência para escutar. Antes de criar a composição ideal para o molho do hot dog, testou os sabores com os usuários até chegar ao ponto em que todos gostassem. Seguiu o mesmo caminho na criação de lanches. Tudo era testado antes. Foi assim que surgiram os sanduíches de queijo com banana, misto-quente, hambúrguer, cheesebúrguer, os temperos das carnes, o melhor pão para cada sanduíche.

Ao fechar contratos, trouxe receitas americanas, mas adaptadas ao gosto do brasileiro. Tal característica – respeitar e ouvir sempre o cliente – torna-se uma das fortalezas que sustentam a marca até os dias de hoje. Ao construir sua casa, Robert capricha no alicerce para ter uma base duradoura, que agora completa 60 anos. Importa notar que Bob foi o principal administrador de seu negócio por 22 anos e sempre adotou uma forma de gestão vertical. Não depender de ninguém, para nada, era sua regra. Impaciente para conhecer tudo o que existia de importante no setor de fast-food, era alimentado por desafios e não aceitava limites ou imposições. Tudo funcionava na base da perseverança e no método de seleção ‘olho no olho’ para trazer gente de confiança a fim de trabalhar ao seu lado, como o filho Robert Falkenburg I.

Robert tinha por hábito fazer as coisas da melhor maneira possível. Para garantir o fornecimento de copos de papel foi à Alemanha vasculhar – até achar – maquinário adequado para montar uma fábrica e, assim, não depender de fornecedores. Para ter o melhor suco de laranja comprou duas máquinas extratoras de origem norte-americana que faziam um suco espetacular, sem carregar na acidez da casca.

Nos primórdios do fast-food, Robert produzia frigideiras bem grossas, para manter aquecido um de seus pratos de sucesso, os hameneggs (ovos com presunto). O cliente consumia o hamenegg bem quente, conservado pela maior espessura do aço.

Estratégia de expansão

A expansão foi inevitável. No início a estratégia foi conquistar outros bairros nobres do Rio. Novidades como o hamburger e o milk shake atraiam a classe média alta, artistas e personalidades. Falkenburg abre, em 1956, a segunda loja em Ipanema (Visconde de Pirajá esquina com Garcia D’Ávila -RJ). O local virou um dos centros mais efervescentes do Rio, por reunir mulheres bonitas, intelectuais e a moçada irrequieta em geral. Muitos ainda se lembram das pastilhas verdes do ponto de Ipanema.

Após o estrondoso sucesso, foram inaugurados outros Bob’s no Largo do Machado, Tijuca, Castelo e Carioca (comprou a loja da Regina Feigl, amiga de Braguinha, que havia construído o prédio).

O novo formato de restaurante deu certo por vender muito mais do que existia de saboroso em hambúrgueres e sundaes, além do até hoje campeão milk shake do Bob’s. No fundo, oferecia alegria de viver, um dos ingredientes que compunham o DNA dos cariocas.

Em 1972, o astro do fast-food volta para Los Angeles e dois anos depois transfere o controle acionário da rede – com seus 13 restaurantes – para a Libby do Brasil, por 7 milhões de dólares (em torno de 33 milhões de dólares atualmente). Inicia uma merecida aposentadoria. Também em 1974 Falkenburg entrou para o International Tennis Hall of Fame.

Por seu pioneirismo, dedicação e criatividade, Bob vai continuar como uma bússola para os empreendedores e fonte indispensável de inspiração. Como legado para as futuras gerações talvez o mais importante é a sua lição de vida – acreditar no próprio sonho e ir em frente, nunca desistir ou se dar por vencido.

Principal gestor de seu negócio por 22 anos, Robert Falkenburg teve o grande mérito de trazer para o Brasil produtos inovadores e conceitos inéditos de qualidade e excelência (até então pouco difundidos no universo corporativo nacional), fatores fundamentais para a construção da marca.

O lucro é consequência

Uma regra de ouro gestada na administração de Falkenburg é jamais cometer o desatino de aviltar a qualidade de produtos, seja em quantidade e composição de produtos, uma lei seguida com rigor. Deve-se, acima de tudo, evitar o erro de não priorizar pessoas, mostrou Robert Falkenburg. Em determinadas fases muitos caem na tentação de reforçar o lado financeiro da organização, mas o gestor também se compromete quando, sem desenvolver o capital humano, os resultados de longo prazo deixam de ser sustentáveis. Também inovou na área de gestão. Convém enfatizar pelo menos três componentes para o desenho de qualquer negócio, especialmente no setor de alimentação. Primeiro é ter processos formais bem fixados. Outro ponto é ter produtos diferenciados reconhecidos pelos clientes e que sejam capazes de conquistar consumidores fiéis.  O terceiro ponto, não menos importante, é desenvolver o capital humano, ter lideranças criativas e pessoas motivadas. Desde o recrutamento a ordem é olhar mais nos olhos do que nos arquivos. É o que faz o coração do Bob’s bater mais forte, prestar atenção no desenvolvimento de pessoas e, claro, em seus processos de negócios. Hoje a base foi modernizada e informatizada, conta com sistemas de análises de desempenho (Balanced Score Card) e ferramentas de Business Intelligence (BI), mas é um ciclo que nunca para, sempre precisa ser aprimorado.

Ao completar 60 anos de história, a empresa criada por Falkenburg vive hoje seu melhor momento. Tornou-se a rede com a maior cobertura geográfica nacional, com aproximadamente mil pontos de venda espalhados em todos os Estados brasileiros, e faturamento na casa de R$ 800 milhões. Agora o Bob’s prepara-se para duplicar de tamanho ainda nesta década e crescer fortemente tanto nas capitais quanto no interior.

Após seis décadas, o aniversário de 60 anos da rede Bob’s encontra o seu criador com 86 anos, completados em 29 de janeiro. Hoje Falkenburg vive em seu rancho nos Estados Unidos. Depois de vender o Bob´s viajou vários anos para jogar torneios de golfe e tênis na Europa e Estados Unidos. Aposentado dos negócios, não se acha imortal, mas se sente muito honrado por ser lembrado como o inventor do fast-food no Brasil, conforme relata livro a ser lançado em maio pela Editora Lamonica em homenagem aos 60 anos do setor no Brasil.