Eu, robô

Eu, robô

Inteligência artificial apresenta grandes oportunidades de automação no sistema de franquias. Redes começam a testar ferramentas no dia a dia

Vicente Queiroz, franqueado da Minds em Fortaleza (CE), criou um robô do tamanho de uma criança de seis anos que fala inglês e ajuda o professor a colocar ordem na sala de aula. Batizada de Bloog, a invenção teve apoio financeiro da franqueadora para que fosse desenvolvida.

A CEO da rede, Leiza Oliveira, diz que o pequeno robô vem passando por melhorias para ser levado para as mais de 500 salas de Kids da franquia. “A ideia era colocá-lo em todas as salas neste ano, porém o protótipo passou por alguns problemas de logística no momento do transporte e isso dificultou a continuidade do trabalho. Esses reparos já estão sendo realizados e a nossa meta é conseguir colocar o robô nas cinco regiões do País até meados de 2018”, explica, em comunicado emitido à imprensa.

Desempenho dos alunos subiu
De acordo com Leiza, o rendimento dos alunos da escola de Fortaleza cresceu 35% com a ajuda da inteligência artificial e alguns até conseguiram mudar de nível mais rapidamente. “Estamos na era em que a atenção das crianças e jovens é disputada por vários itens eletrônicos: celular, iPad, videogame, entre outros. O objetivo da Minds Idiomas é fazer com que eles consigam aprender o inglês de forma orgânica por meio da tecnologia”, afirma Leiza.
A interação de seres humanos com robôs não é mais um tema que deva ser tratado no futuro: ela já existe e está entre nós. Onde menos se espera, há um robô conversando ou prestando serviço a um ser humano.

Nas redes de varejo pelo mundo, é possível encontrá-los no atendimento ao cliente, gestão de processos e até na criação de ofertas direcionadas. No Brasil, no entanto, esse movimento caminha a passos de internet discada.

Disponível, mas pouco utilizada
Um dos maiores desafios do varejo atual é enxergar cada consumidor de forma individualizada. Muito tem-se falado sobre a necessidade de personalizar ofertas, captar dados e disparar comunicações segmentadas. “Os meios digitais, como e-commerce e aplicativos, já estão consolidados neste contexto e geram resultados em diversas operações varejistas, inclusive de franquias. Dentre diversas aplicações de inteligência artificial, vemos campanhas personalizadas, ações promocionais, conteúdo direcionado por perfil, chatbots (atendimento virtual feito por robôs), entre outras”, comenta o gestor de Varejo da Totvs, Felipe Rosa.

No entanto, apesar de disponível, todo o potencial da tecnologia ainda não é utilizado pelas empresas. O coordenador do MBA em Marketing Digital da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Andre Miceli, diz que as iniciativas ainda são tímidas e que uma das razões é a percepção de valor. “Precisamos lembrar sempre que tecnologia serve para aumentar receita ou diminuir despesa”, explica.

No meio digital já é mais comum se deparar com algum robô. O desafio, na visão do especialista da Totvs, é implementá-lo nas lojas físicas. Além de ajudar no estoque e na oferta de produtos direcionados, os robôs podem tornar o contato com o consumidor ainda mais produtivo. “Com um atendimento pessoal personalizado, que reconhece o cliente assim que ele chega à loja, e sugere produtos ou agiliza o processo de compra ou pagamento, impacta diretamente nossa percepção do varejo”, afirma.

Ajuda, mas não substitui o ser humano
A franqueadora Louyt oferece um chatbot acessível para pequenas empresas, a partir de uma plataforma de marketing mobile. “Durante a conversa com o cliente, pode ser disparado um ‘gatilho’ que faz com que o chatbot colete dados do cliente e lhe ofereça um e-book ou outra recompensa em troca”, explica o CEO da empresa, Alessandro Ribas. Essa função é chamada de hungry bot (fome de leads).

De acordo com ele, a ferramenta também pode ser usada para funções avançadas, como vendas e captação de informações. “O maior benefício é melhorar a experiência do consumidor junto à marca”, comenta.

Ribas conta que o primeiro desafio foi adequar o chatbot à língua portuguesa, por ser um idioma muito específico. Outro, mais recorrente, é explicar que a ferramenta foi criada para auxiliar o ser humano e não para o substituir. “Muitos clientes pediam um projeto de chatbot que permitisse substituir todo um call center por um chatbot, e não é essa a proposta. Em certos momentos, a empresa precisa colocar uma pessoa para falar com os clientes e tornar a experiência mais humana, mais próxima”, explica.

Disrupção de modelos estruturados
A Beetools é uma escola de idiomas que já nasceu completamente orientada para inteligência artificial. Ela utiliza o recurso tanto para os alunos, quanto para a gestão das franquias. Com isso, consegue manter o franqueado focado no operacional e mantém um controle maior das questões administrativas. “Sabemos quantas matrículas o franqueado fez de manhã lá em Natal (RN), quantos alunos pagaram e quantos faltaram”, explica o CEO da empresa, Fabio Ivatiuk. De acordo com ele, isso o ajuda a trabalhar com suporte preventivo.
Para encontrar as principais dificuldades dos franqueados, ele se baseou na própria experiência. Ivatiuk foi franqueado de escolas de idiomas por dez anos e também prestava serviços para a franqueadora – logo, ele teve visão de oportunidades para os dois lados. “Montei um planejamento olhando para a necessidade do franqueado e para o problema do franqueador, para deixar a relação mais próxima”, explica.

Do lado do franqueado, algo que sempre o incomodou foi perceber que os alunos precisavam do inglês, mas não se sentiam satisfeitos com os métodos das escolas convencionais. “A educação geral tem um modelo ultrapassado, não condiz com a geração que estuda no momento”, afirma.

Com isso, ele implementou o conceito de sala de aula invertida, que consiste em instigar o aluno a buscar, com a internet, informações às quais ele já tem acesso. Como o conteúdo é todo disponível no aplicativo, o aluno consegue ter contato com próxima lição antes de ir para a sala de aula. “Tira o professor do centro das atenções e coloca o aluno na busca pelo conhecimento”. Dessa forma, o professor se torna um orientador de como fazer.

Oportunidades
Na visão dos especialistas, o que já é feito pode ser realizado de maneira melhor e mais eficiente. Da mesma forma, é possível desenvolver novas funcionalidades para a tecnologia, à medida em que ela for aplicada ao dia a dia dos negócios. “É inevitável que haja sofisticação dos modelos atuais. O pós-venda deve ser mais bem feito, o que aumentará o nível de satisfação dos clientes e diminuirá os custos operacionais”, explica Micieli.

O alto número de dispositivos móveis no Brasil indica prédisposição do consumidor a interagir com a tecnologia, na avaliação do especialista da Totvs. “Agora é a vez do varejo físico, que precisa integrar o seu modelo de negócios físico com o digital, trazendo inovação como resposta à expectativa dos clientes por uma experiência de compra melhor, mais completa e mais integrada entre os meios on-line e off-line”, explica Rosa.

Ele diz ainda que a inteligência artificial tem grande potencial para fortalecer o relacionamento interpessoal, que é característico do consumidor brasileiro, por ter uma visão mais ampla e conseguir antecipar as necessidades, desejos e expectativas.

Existe demanda, mas custos precisam ser avaliados
Miceli diz que o consumidor já demanda esse tipo de interação nos pontos de venda. “Cada vez mais vemos pessoas mais dispostas a interagir com um programa de computador do que com uma pessoa que, às vezes, não é bem treinada ou não está em um bom dia”. No entanto, o Brasil tem alguns desafios para lidar antes da universalização da tecnologia: burocracia, logística e estrutura são alguns dos problemas, mas ele acrescenta a escassa mão de obra em tecnologia como um dos primordiais. “Existe grande desinteresse pelas profissões mais técnicas e seus desdobramentos, como a tecnologia”, afirma.

Rosa acredita que a melhor saída para a implementação de inteligência artificial nas empresas de médio e grande portes é o contato maior com startups que ajudem a desenvolver soluções de captação inteligente de dados. “Estamos passando por um momento estratégico no País: há muito potencial de aplicação de inteligência artificial para evolução dos modelos de negócios frente ao contexto de transformação digital, considerando iniciativas e investimentos de empresas brasileiras na captação, organização e estruturação de dados”, explica.