Emprego ao raiar, patrão ao anoitecer

Emprego ao raiar, patrão ao anoitecer

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Matéria reproduzida da revista Franquia Negócios – Edição 52

Cada vez mais franqueados mantêm seus empregos para suportar o início da operação de uma franquia

Quando abre os olhos pela manhã, Rafael de Oliveira Moraes, de 31 anos, acorda patrão. Por volta das 7h30 checa a caixa de e-mails das suas três franquias da Mahogany, em Brasília. Se há algo para falar com a franqueadora ou pendências para resolver, esse é o momento. Depois das 9 horas, ao se olhar no espelho, Rafael vê um empregado, mais especificamente um funcionário público da Caixa Econômica Federal, e assim segue até por volta das 19 horas. À noite ele assume novamente a faceta de patrão e ruma para as franquias nos shoppings. “Não faço nenhuma escala específica, vou verificar se está correto, como estão as consultoras de vendas. No dia a dia sempre tem alguma coisinha ou outra”, explica.
Rafael leva essa vida dupla há sete anos, desde 2006, quando adquiriu a primeira franquia. O funcionalismo público já exerce há doze anos. “Sempre quis ter um negócio próprio, fui à ABF Franchising Expo, em São Paulo, conheci a Mahogany e foi paixão à primeira vista”, lembra o empreendedor.
Para dar conta das franquias, Rafael tem gerentes em cada operação e sócios que ajudam a gerir o negócio. “Como tem incremento nas vendas no final do ano, eu tiro férias na Caixa e foco totalmente nas franquias”.
A rotina de Rafael é cada vez mais comum no franchising. Franqueados mantêm seus empregos como garantia de segurança financeira, principalmente no início da operação, ou como forma de continuar exercendo a profissão de formação. “Um dos grandes medos de quem sai da vida do emprego para a de empreendedor é a segurança, que na verdade é psicológica. O desafio do franchising é transformar franqueados em empresários”, explica o sócio-fundador da Praxis Business e especialista em franchising, varejo e educação corporativa, Adir Ribeiro.
O especialista alerta para o fato de que nem todas as franqueadoras aceitam que o franqueado não dedique 100% do seu tempo à operação e isso deve ser verificado antes da assinatura do contrato. “Franquia não é sinônimo de sucesso garantido, vai exigir uma gestão muito eficiente de acompanhar os indicadores e os resultados do negócio, ainda mais se estiver à distancia”.
O início da operação de uma franquia é quando o dono do negócio tem que estar mais presente, na visão de Ribeiro. “O franqueado insere o seu DNA nos seis primeiros meses. Tem que se desdobrar para fazer isso, usando todos os espaços livres. Envolve a família no processo e tem que saber com clareza o que vai perder, mas é por um sonho, um objetivo”.
Gustavo Rincaweski, de 20 anos, está nesse processo. Faz oito meses que adquiriu a unidade da Mais Educa de Blumenau (SC), mas mantém o seu emprego na área de contabilidade. Além disso, tem que se desdobrar para concluir a faculdade de ciências contábeis. “É bem puxado, no fim de semana faço planejamento semanal para ver quanto tempo vou ter disponível para cada negócio”. Gustavo tenta deixar pelo menos três horas por dia para dar atenção à franquia, que por enquanto não tem sede própria.
Atualmente, o empreendedor se dedica à empresa de contabilidade das 7h30 às 17h30, cuida dos trabalhos da franquia até às 19 horas, vai para a faculdade e às 22 horas, quando volta para casa, continua os trabalhos na Mais Educa. Gustavo desliga suas três vidas à meia-noite. “Minha ideia inicialmente é tentar conciliar. No futuro quero montar uma unidade física e ter uma equipe para trabalhar na Mais Educa”.
Tempo livre
Antes de mergulhar em duplas ou até triplas jornadas é necessário se fazer algumas perguntas, conforme explica o fundador da The School of Life, em Londres, filósofo e autor de livros como “Como Encontrar o Trabalho da Sua Vida” (editora Objetiva) e “Sobre a Arte de Viver – Lições da História Para uma Vida Melhor” (editora Zahar), Roman Krznaric.
“Quase 70% das pessoas falam que seus trabalhos as impedem de ter tempo suficiente para ficar com suas famílias e amigos ou para atividades de lazer. Ao tentar conciliar trabalhos, ter tempo para essas atividades pode ser ainda mais difícil”, afirma. Segundo o especialista o ideal é que ao menos uma das atividades seja prazerosa, as duas não podem ser obrigações para ganhar dinheiro.
Krznaric comenta que atualmente as pessoas têm se interessado mais em diversificar suas áreas de atuação, tornando-se empreendedoras ao invés de especialistas em apenas um campo, o que as tornaria apenas realizadoras. A amplitude empreendedora, inclusive, não é nova e pode ser observada desde a Renascença, segundo o especialista, uma vez que Leonardo da Vinci, por exemplo, era pintor, cientista, engenheiro e muito mais.
“A insegurança financeira é um dos principais motivadores. Na verdade, eu acho que ser um grande empreendedor é uma estratégia inteligente, de modo a espalhar os seus riscos através de várias profissões. Se uma não der certo, então talvez as outras deem”, considera.
Põe na tela
Em Vitória da Conquista (BA), Gildásio Cairo dos Santos, de 40 anos, acompanha o movimento de suas franquias da Prima Clean, Damásio de Jesus e Vip Náutica pela tela de seu iPhone, enquanto cumpre a carga como farmacêutico bioquímico contratado. “Para ter sucesso precisei encarar que não tem como fazer tudo, mas gerir tudo é minha responsabilidade. Além disso, sou presidente da Associação de Lojistas do Shopping Conquista Sul. Eu discuto o meu Natal em maio, o meu inverno em novembro”.
O empresário consegue dar conta dos cinco trabalhos que têm e garante que não deixa de pegar o filho na escola um só dia. “Meu filho não vai ser meu companheiro se não me tiver como exemplo. Eu me obrigo a buscá-lo na escola todos os dias e almoçar com ele”.
Gildásio, que também anunciou planos de investimento em uma unidade da Ortobom, revela que já pensou em desistir de sua profissão e ficar só com as franquias, mas não consegue, é o que ama e chama de sua “cachaça”. “Sou apaixonado pela minha profissão. Cada dia eu diminuo, mas não consigo abandonar”.
olho de dono
Enquanto espera para ser atendido pelos clientes da empresa de venda de equipamentos médicos em que trabalha, Vinicius Salinas Rodrigues, 32 anos, exercita o olhar para enxergar possíveis oportunidades de negócio para sua franquia da Jan-Pro. “Como eu visito muitas clínicas médicas estou sempre de olho se tem algum potencial. Posso prospectar enquanto espero para ser atendido pelo médico”, diz.
Vinicius tem a franquia há um ano e a razão do investimento foi procurar um meio alternativo para suprir a renda da mulher, que precisou parar de trabalhar para cuidar dos gêmeos. “Até estabilizar o quadro de funcionários colocamos a mão na massa. No primeiro mês de atuação, fazíamos as limpezas. Depois fomos para a parte administrativa”.
Hoje a unidade de Vinicius tem 11 funcionários, ele é responsável pela parte comercial do negócio e sua esposa pelo administrativo, que é feito de casa. “Eu resolvo contratos no horário do almoço, antes ou depois do expediente. Trabalho de dez a doze horas por dia”. Vinicius quer ajudar a franquia a se desenvolver para sua esposa, mas não pretende sair do ramo de vendas.
Nem tudo é positivo em relação à manutenção de duas atividades profissionais simultâneas, na visão do consultor de empreendedorismo e palestrante, Renato Maggieri. “Um negócio precisa de dedicação. Enquanto o profissional fica como empregado e também tocando o negócio, ele não se dedica o quanto devia. Retarda o sucesso da franquia”, afirma.
O especialista comenta que o velho bordão “o olho do dono engorda o negócio” é totalmente aplicável ao franchising e verdadeiro até mesmo nos dias atuais. “Precisa ter alguém que tenha olhar de dono, principalmente no começo. Se ele não souber manejar bem, ficando com os pés em duas canoas, pode até perder o emprego. A pior coisa do mundo é estar com a cabeça em dois lugares ao mesmo tempo”.
Maggieri acredita que o argumento de insegurança financeira é uma forma de mascarar a falta de capital de giro, o que é resultado de ausência de planejamento antes de abrir a franquia. “As pessoas têm que ter foco, fazer o que fazem e bem planejado. Quanto mais aumentam os casos de jornada dupla, aumentam os casos de insucesso de franquias”.
A solução para manter um olhar de dono na ausência do franqueado na unidade é nominar um gestor que seja treinado pela própria franqueadora, conforme explica Adir Ribeiro. “Se não tiver sócio, pode ter um gestor. Um operador que a franqueadora treine e participe do negócio. É um modelo de não ter sócio, mas sim um elemento de confiança que replique o conhecimento para o franqueado”.
Krznaric acredita que a empatia pode ser a chave do sucesso no mundo corporativo atualmente e também auxilia empreendedores que se disponham a ter mais de uma função a encontrar um gestor ideal. “Empatia é pisar com os sapatos de outras pessoas e olhar o mundo sob a perspectiva delas. Acho que as empresas devem recrutar funcionários que além de preencher as qualificações educacionais, possuam habilidade de empatia”.
Formação 
Ao trocar o ofício de Direito pelo franchising, Kelyman tomou um caminho cada vez mais natural entre os jovens empreendedores. “O jovem hoje conhece mais do que o do passado, se forma mais, estuda mais cedo, mas não procura cargos na profissão. Muitos advogados, por exemplo, se formam e viram franqueados”, comenta Carvalho, da CS Business Franchising.
Na visão do especialista, o franchising comporta diversas formações acadêmicas e os jovens podem colocar seus estudos em prática. “Os franqueados mais antigos esperavam pela franqueadora para fazer seu marketing, já os novos usam as mídias digitais pra divulgar o negócio deles”, afirma o diretor da CS Business Franchising.
O pai de Alexandre Sacchi, franqueado da rede Divino Fogão, resolveu investir em franchising após a aposentadoria. Ele optou pela rede de restaurantes e o filho começou a trabalhar logo no início da operação. Assim como Kelyman, Alexandre morou fora do País e atuava em outra área antes disso.
Hoje, aos 37 anos, Alexandre dirige a loja do Shopping Vila Lobos, em São Paulo e os pais já abriram outra unidade. “No ano passado entrei em mais duas em Florianópolis”. Alexandre faz parte da comissão de marketing da franqueadora e participa de reuniões mensais. O empreendedor considera os encontros e as ideias trocadas em cada um deles tão importantes quanto uma graduação em administração. “Eu sei que ainda não estou totalmente formado. Continuo aprendendo com meus pais, com a minha franquia”.
Vivência
Quando Bruno Galhardi tinha três anos, sua mãe adquiriu a escola de idiomas Centro Britânico, que se tornaria mais tarde uma rede de franquias de ensino. Como era muito pequeno, Bruno passava boa parte do tempo no trabalho com seus pais, brincando no ambiente e já tendo a vivência do empreendedorismo. Quando cresceu, Bruno se formou em Publicidade e se tornou diretor de arte de uma agência. “Comecei a perceber que eu não me desenvolvia naquela função. Despertei o interesse em gerir um negócio, navegar em todas as áreas, mas eu não sabia nada de mercado, passava longe de financeiro”.
Bruno começou a ter contato com o franchising quando viajou para os Estados Unidos e conheceu o maior mercado do setor no mundo. O que o levou a pensar na escola dos pais, no entanto, foi a percepção do quanto deficitário era o inglês dos brasileiros no exterior. “As franquias de inglês que existiam não estavam atendendo a demanda do mercado. Tinha um monte de escolas, mas ninguém falava inglês. Isso me motivou a entrar no Centro Britânico”.
Em 2008, Bruno começou a trabalhar na holding Central de Franquias, que possui diversas marcas e uma delas era o Centro Britânico. A intenção era ajudar a formatar o negócio para o franchising, com base no que viu nas duas vezes em que trabalhou nos Estados Unidos. “Quando eu voltei, acelerei esse sonho deles de ter a marca como franquia. Antes eram duas unidades próprias e três licenciadas”. Bruno era responsável por dar suporte aos primeiros franqueados da marca e aprendeu bastante sobre o ramo até 2010, quando a parceria com a holding foi desfeita.
“Quando saí da Central de Franquias, eu ia para outra empresa, mas meu pai não deixou, disse que eu tinha que ficar lá”. No entanto, Bruno comenta que o receio de assumir um negócio da família pesou na decisão de assumir a companhia, em 2011. “Nunca tive autonomia para colocar minhas ideias em prática nas outras empresas, então eu tinha medo de mexer em muita coisa e não dar certo. Já pensou levar o negócio da família de décadas para o buraco?”.
Com o passar do tempo, Bruno percebeu que suas ideias, por mais destoantes que fossem do que havia sido praticado até então, não trariam o risco que imaginava e sim melhorias para o negócio. “Comecei a ter mais segurança em relação a isso”.
Desde que o único herdeiro homem da marca assumiu a liderança, o Centro Britânico passou de 16 para 34 unidades. A expectativa é fechar o ano com 42 pontos. “Meus pais hoje fazem parte de um conselho junto com outros dois sócios. Eu recorro a eles quando preciso de informações do que foi feito no passado”. Quando olha para o mercado hoje e compara com o que via no passado, Bruno percebe uma evolução significativa. “O inglês básico todo mundo precisa ter atualmente, então as pessoas começam a estudar fora. Nós aplicamos a prova de Cambridge”.
Bruno conta que o maior desafio que encontrou ao assumir o Centro Britânico foi na profissionalização da marca. As áreas não se conversaram e foi preciso estabelecer a comunicação interna. “Foi muito difícil ajustar isso, porque eles já trabalham há 30 anos dessa forma”.  A pretensão é crescer cada vez mais e expandir as áreas de atuação da marca. Bruno adianta que pretende inserir o Centro Britânico em outras searas do mercado de ensino, mas não revela quais, por enquanto.
Apesar de todos os méritos, não são só coisas boas que essa geração deixará de legado para os jovens do futuro. A facilidade de lidar com a tecnologia e a capacidade de absorver muita informação ao mesmo tempo podem trazer problemas também. “O lado negativo é que não possuem a sensatez e tranquilidade das gerações anteriores na hora de fechar novos negócios, são impulsivos, o que às vezes faz a diferença”, comenta Meirelles, do Data Popular. Ou seja, a revolução é benéfica e necessária para revitalizar o setor, mas o conhecimento e poder de absorção e observação à moda antiga ainda caem bem.

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