A geração da profissionalização

A geração da profissionalização

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Matéria reproduzida da Revista Franquia Negócios Ed. 56POR PAULO GRATÃO

Parece que foi ontem, mas no próximo dia 15 de dezembro, enquanto o mundo se prepara para as festas de fim de ano, o franchising brasileiro celebrará os 20 anos da criação da Lei do Franchising (8.955/94). Embora o sistema seja bem mais antigo do que essa data, e muitas marcas tenham uma trilha que quase dobra esse tempo, a lei serviu para regulamentar o setor, manter independência do Estado, e abrir o mercado para os novos empreendedores que apostam no modelo. Tendo essa maturidade comprovada na papelada, nada mais natural do que as redes começarem a pensar na sua modernização, que muitas vezes passa (já passou ou passará) pela sucessão no comando dos negócios.

Ao receber o troféu de franqueador do ano no prêmio ABF Santander Destaque do Franchising, no último mês de abril, Lindolfo Martin, fundador da rede Multicoisas, comentou a sua sucessão na presidência executiva que passou, esse ano, para as mãos de Sandro Benelli, executivo do mercado que ainda não tinha contato com o franchising, mas traz na bagagem 27 anos de experiência de varejo. Martin e sua esposa, Elsa, ainda continuam no conselho da empresa. “É preciso preparar para que a rede continue independentemente de você”, afirmou na ocasião.

Uma das razões que fez Martin empossar o troféu naquela noite é um dos maiores desafios que Benelli enfrentará na gestão da Multicoisas. O fundador trouxe para a marca – que fatura R$ 400 milhões por ano – uma característica humana, de proximidade com os franqueados. “Ele próprio percebe que se isso o trouxe até aqui nos últimos trinta anos, não vai levá-lo para os próximos trinta”, comenta Benelli.

Diferentemente de uma cadeia de lojas administrada por gerentes, as franquias possuem seus próprios donos e cada decisão que impacte a rotina da rede não pode ser imposta e sim discutida. Benelli tem sentido essa diferença na pele. “No mundo corporativo, um sócio minoritário não apitaria nada, mas aqui ele tem voz, dependemos dele”.

E com pouco mais de cinco meses à frente do cargo, ele já mostrou que pode trazer novos olhares à gestão da marca. O executivo cita o exemplo da direção de operações de loja que fica em Campo Grande (MS), cidade natal da Multicoisas, mas que conta com apenas sete lojas, ante as 70 em São Paulo. Benelli percebeu que o deslocamento para lidar com situações em outros estados era expressivo e resolveu alocar as equipes para cada grande centro de atuação. “Vou economizar R$ 500 mil por ano em viagens e passagens. Isso é um exemplo de que não tem certo ou errado, é só uma visão de fora”, afirma.

Após a experiência em varejo de confecções durante a adolescência no comércio da família, Artur Grynbaum ingressou no O Boticário em 1986, como assistente financeiro. Com espírito empreendedor e visão de negócios, logo subiu degraus alçando novos cargos até chegar à vice-presidência. Em 1992, tornou-se sócio do fundador, Miguel Krigsner­, adquirindo 20% da empresa.

Em 1995, o empreendedor, então com 26 anos, foi responsável por adequações nos processos logísticos e pelo redesenho da empresa que culminou em um faturamento oito vezes maior em uma década, dando origem ao Grupo Boticário. No entanto, não foi assim tão fácil. A pouca idade do executivo não ajudava em nada a credibilidade do seu projeto, que precisou ser defendido com fortes argumentos, pesquisas e, posteriormente, com resultados.

Em 2008, após a implantação do processo de governança corporativa que colocou Krigsner como presidente do conselho de administração da empresa, Grynbaum foi eleito para ocupar a cadeira mais alta da franqueadora, que atualmente é representada por 3.690 pontos de venda no Brasil. Foi pelas mãos da nova gestão que o Grupo Boticário criou as marcas Eudora, quem disse, berenice? e The Beauty Box.

O desafio das gerações

Apesar de serem empresas de origem familiar, a Multicoisas e o Grupo Boticário não optaram pelo herdeiro direto para a sucessão da cadeira mais alta da empresa. No entanto, esse não é um movimento comum. Os filhos ainda são as primeiras opções a continuarem a linhagem. De acordo com dados divulgados pelo Sebrae em 2012, 90% das empresas brasileiras são familiares.

Quando o assunto é sucessão, a situação parece assustadora: de cada 100 empresas, tanto no Brasil quanto no mundo, apenas 30 sobrevivem à segunda geração, 15 à terceira e 4 à quarta.

Essa sorte deve mudar no futuro, na visão do sócio-diretor da consultoria Ricca­ Associados, Domingos Ricca, uma vez que mais mulheres estão no cargo de liderança e isso inclui a linha de sucessão. “Homem quer concorrer com o pai, a filha por geralmente ter mais afinidade com a figura paterna, assume o sonho e segue o que o vinha sendo desenvolvido”.

A aceitação do fundador de que é hora de passar o bastão é o primeiro passo para uma sucessão bem feita. Apesar de ter sonhado e construído o negócio, o executivo precisa preparar alguém para trilhar o caminho com novos olhares e participar ativamente do processo, até mesmo para passar a segurança necessária para franqueados e funcionários antigos. “Se quer quebrar uma empresa, tire o dono dela. É o maior erro que pode cometer”.

Poder feminino

Falando em liderança feminina, a marca de lingeries Hope tem hoje as três filhas do fundador Nissim Hara como diretoras-executivas da marca. Sandra, Daniela e Karen cresceram com o negócio, passaram pelo processo de governança corporativa e já tomam as decisões. “Temos um superintendente que está fazendo todo esse processo de transição para elas assumirem a empresa”, conta o diretor de expansão da rede, Sylvio Korytowski.

A visão das três executivas no negócio, voltado ao público feminino, agregou valor aos produtos, segundo Korytowski. “Já se percebe as características delas principalmente na área de produtos e em como a marca se rejuvenesceu, com uma linha mais fashion”. A sucessão é um passo de amadurecimento, na visão da Hope, pois assegura a perenidade da marca, traz novas ideias e conceitos.

Manutenção da cultura

As primeiras memórias de Bruno Gagliardi, 30 anos, no Centro Britânico remetem a sua infância. Ele cresceu junto com a empresa, mas foi se especializar e trabalhar em outros negócios. “Nunca imaginei trabalhar com meus pais, nem almejava isso”. Durante o intercâmbio, Bruno teve contato com o franchising norte-americano e quando retornou ao Brasil, seu pai lhe revelou a vontade de transformar a empresa familiar em franquia. “No primeiro momento eu tinha receio de minha pouca experiência levar a empresa para o buraco”.

Gagliardi ajudou a formatar a marca para o franchising e com o tempo foi convidado pelo pai a sucedê-lo na presidência. “Eu recusava ao máximo dizer quem eu era. Se eu não entregasse algo ou os franqueados não gostassem, não queria que fossem reclamar para os donos, e eu acabei conquistando a confiança deles”.

Atualmente, os pais de Bruno Gagliardi­ compõem junto a outros dois sócios o conselho da empresa, que é onde o empreendedor recorre em momentos mais complicados, como o período de economia desacelerada que diminuiu a procura por franquias entre 2013 e 2014. “Preocupado, recorri a eles que me passaram a experiência de quem tem 35 anos no negócio, atravessaram diversos altos e baixos, como inflação e percebi que isso ajuda a criar alguns indicadores, para sabermos se está fora do normal ou é movimento de mercado”.

Quando Alexandre Guerra, 33 anos, assumiu o controle do Giraffas, em 2012, a ideia não era sucessão, e sim profissionalização da marca. Antes os sócios eram os principais executivos, e entre eles estava Carlos Guerra, pai de Alexandre. Foram atrás de ajuda profissional para implementar governança corporativa para a formalização do conselho de administração, profissionalização do negócio e adequação às novas demandas de mercado.

Na ocasião, foi formada uma diretoria com novos executivos de mercado e encabeçada por Alexandre, que era diretor financeiro e de planejamento e foi escolhido para o cargo. “Apesar de ter uma diretoria executiva profissional, a manutenção da cultura é garantida com a minha presença e com profissionais que estão há mais tempo”, afirma.

Pesou na decisão pela escolha de Alexandre, além de seu conhecimento de mercado, a preservação da visão e dos valores construídos pela empresa ao longo dos anos, que poderiam ter sido perdidos em um processo de profissionalização, na visão do executivo, além do relacionamento com os franqueados. “Se fosse um executivo de mercado talvez tivesse mais resistência por parte deles”.

O emprego do termo “pessoa jurídica” é um dos mais felizes da língua portuguesa, na avaliação do coordenador de franquias do Centro de Empreendedorismo e Novos Negócios da Fundação Getúlio Vargas (FGV-Cenn), professor­ Batista Gigliotti. A razão para essa declaração é a afirmação de que empresa não depende de um dono, anda sozinha. “A pessoa jurídica é independente, onde o dono pode ter importância relevante em determinado período, mas a empresa tem vida própria”.

A primeira geração de uma marca franqueadora é capitaneada por executivos que pensaram o negócio operacionalmente, muitas vezes sem uma formação acadêmica, deu certo e se tornou replicável. A segunda, e em alguns casos terceira geração, já vem mais preparada do ponto de vista da educação formal. “Isso ajuda a profissionalizar a empresa, a ponto de captar recursos do mercado aberto”, explica.

Caso o herdeiro não seja o primeiro na linha de sucessão de uma marca, o que pode comprometer a identidade que foi construída ao longo dos anos, a formação de um conselho de administração é fundamental. “É uma ideia interessante para que família não perca controle do negócio, mas também não perca em profissionalização”.

Olhar no futuro

Richard Hugh Fisk, vulgo Mr. Fisk, tem atualmente 92 anos e permanece como presidente da empresa que leva seu sobrenome. No início da década de 1960 a rede iniciava sua expansão e Bruno Caravati ingressava como professor. Depois de passar por cargos de coordenação, o executivo chegou à cadeira atual de CEO e vice-presidente da Fundação Fisk, desde 1992. “A ‘espinha dorsal’ está formada. Mr. Fisk preparou Caravati para assumir a presidência da rede e eu estou sendo preparado para suceder ao professor Bruno”, explica o diretor superintendente da Fundação Fisk, professor Elvio Peralta.

Em aproximadamente dez anos, Wilson Giustino, 54 anos, fundador do Centro Brasileiro de Cursos (Cebrac), deve deixar a cadeira executiva, mas já sabe quem sentará em seu lugar. Marco Aurélio Giustino, o filho mais velho, com 25 anos, trabalha com o pai desde os 15. No início era office-boy, assistente administrativo, depois passou para o setor de materiais, e há um ano e meio abriu sua própria unidade do Cebrac. “Até então ele não conhecia a estrutura do negócio na ponta”, comenta Wilson.

Atualmente, Marco Aurélio comanda a parte de materiais da franqueadora e vem sendo preparado por Wilson para sucedê-lo. “Estou trazendo ele bem perto, levando para reuniões importantes, mostrando o que é certo para o nosso negócio. E ele vai ser meu sucessor se for mérito dele, não vai ser só porque é meu filho”.

Rubens Augusto Junior inicia a conversa contando que a Patroni Pizza foi um caso de sucessão invertida. Há 30 anos o executivo fundou a empresa para que seu pai, que passava por problemas de saúde e emocionais, tivesse uma ocupação. Com a morte do pai e de seu cunhado, que era o sócio, Rubens, que tinha outro emprego, assumiu o comando da empresa em 1997 e desde então vem tocando o negócio.

Em 2002, o filho de Rubens, Rafael­ de Oliveira Augusto, então com 15 anos, disse que queria trabalhar na empresa. O pedido foi aceito, mas as regalias foram vetadas logo no início. “Eu disse que ele só poderia trabalhar meio período porque estava estudando e ganharia meio salário. Como não sabe nada, vai ser o ajudante de cozinha, lavar prato e carregar lenha em uma das lojas”. Rubens disse ainda que qualquer promoção teria que vir por mérito próprio. Um ano depois, em 2003, a Patroni Pizza inicia expansão por franquias, mantendo crescimento de 25,5% ao ano.

Rafael passou por diversos cargos na loja do Shopping Ibirapuera, em São Paulo, até chegar à diretoria de marketing­ no escritório central, posto que ocupa hoje. “Por seu próprio mérito ele foi sendo promovido de forneiro a pizzaiolo, de atendimento a caixa e, nesse interim, ele se formou em economia”.

O plano de sucessão da Patroni Pizza, no entanto, começou quando Rafael e sua irmã três anos mais nova, Patrícia, alcançaram a maioridade. Rubens se fechou com eles em uma sala e perguntou se pretendiam assumir o negócio no futuro e dar continuidade à empresa. Diante da resposta positiva dos dois, Rubens percebeu que estava diante dos futuros gestores da marca, os enviou novamente para as lojas em que trabalhavam e esperou que o tempo fizesse seu trabalho, acompanhando de perto cada passo dado. Atualmente, o executivo ministra palestras sobre o tema em associações do segmento de pizzas e escritórios de advocacia, além de ter um programa de sucessão estruturado para auxiliar os franqueados que passam pelo mesmo processo.

Bruno, Marco Aurélio e Rafael fazem parte da tendência apontada pela pesquisa Chief Executive Study 2014, em que 76% dos executivos brasileiros que ocupam a cadeira do CEO atualmente fizeram carreira na empresa.

Sucessão de franqueados

Além de pensar na própria reestruturação, marcas com longa estrada percorrida têm em sua rede franqueados que já pensam no futuro, também. Em 2011, o Grupo Boticário criou o programa futuro em Nossas Mãos, baseado no processo que deu origem à sucessão que alçou Artur Grynbaum à presidência. O projeto, destinado aos mais de 900 franqueados da rede, já homologou 34 herdeiros na primeira edição, 76 estão na segunda leva e 45 já estão inscritos para o próximo período. “A franqueadora tem como função participar de todas as etapas do desenvolvimento das políticas de sucessão, treinamentos do herdeiro e fiscalização”­, comenta o advogado da Cerveira Advogados, Daniel Cerveira.

Como a Fisk possui mais de 50 anos, o tema sucessão de franqueados é uma realidade e grande parte da rede já está na segunda geração. “Temos uma cláusula contratual que protege todos os sucessores dos franqueados”, comenta Peralta.

O trabalho do franqueado também se tornou mais difícil, a profissionalização se faz cada vez mais necessária, na visão de Alexandre, do Giraffas. “Antigamente tinha fila de pessoas indo trabalhar, hoje é ao contrário, você que vai atrás para convencer as pessoas a trabalharem com você”. Por essa razão, a marca tem investido em programas de reciclagem para o franqueado mais antigo e seus respectivos sucessores. “Junto com ele desenvolvemos o filho dentro da operação, para que o desempenho seja tão bom quanto, ou melhor, do que o atual”.

Em todas as empresas consultadas, que possuem projeto de sucessão para franqueados, os herdeiros são submetidos às mesmas aprovações e capacitações que os franqueados originais, podendo ou não serem aceitos para o posto.

E como dizer para o pai que o filho não é tão qualificado como ele imaginava? Na Multicoisas o tema está na pauta de 2015, pois Sandro identificou que a demanda tem surgido informalmente, alguns sucessores já atuam na cogestão do negócio com os franqueados e o CEO já vem ensaiando como dar a notícia, caso seja necessário. “Eu preciso explicar que o papel de herdeiro é uma coisa, o papel de gestor da franquia é outra, e se não for aprovado continua recebendo o dividendo do lucro do negócio, mas o mais recomendado é passar para frente”.

Aí entra a importância de pensar em outras opções, além do herdeiro direto para o posto, mantendo um conselho de administração com os fundadores. Isso vale também para franquias, conforme explica Gigliotti. “O networking local e a lista de clientes do franqueado são ativos intangíveis que não são do franqueador. Vender uma franquia não é só passar adiante. Quem compra, já leva a história pronta, com possibilidade de sucesso ou não”.

 

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