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Especial favelas: Grandes marcas passam a investir nas comunidades

Portal Mundo do Marketing  – Renata Leite – 26/02/2014

Grandes redes como Casas Bahia, Ricardo Eletro e Colchões Ortobom despertaram para o mercado das favelas do Rio de Janeiro e passaram a investir na abertura de lojas nessas áreas ao longo dos últimos anos. A estratégia de ir ao encontro das classes populares no local em que moram visa conquistar esse expressivo grupo de consumidores. Em 2013, as classes C e D somaram um potencial de compras de mais de R$ 5,5 bilhões em móveis e mais R$ 25 bilhões para eletrodomésticos e equipamentos eletrônicos, de acordo com uma pesquisa do IPC Maps 2013. Outro aspecto é o ingresso dessa camada social no consumo exploratório de novas categorias, atraindo para essas localidades também franquias de fast food e chocolaterias gourmet, além de redes voltadas para educação.

Um exemplo é o Bob’s, que entrou na Rocinha antes mesmo da pacificação. No último semestre de 2013, já com a presença da UPP, a Cacau Show e o Subway também instalaram lojas na favela carioca. Ambas as marcas planejam expansão para outras comunidades ainda neste ano. Empresas de outros segmentos como Pink Biju, de acessórios, e Yes, de Idiomas, também ampliam sua atuação nessas áreas.

O principal atrativo das favelas é a proximidade com um consumidor bem informado e ávido por novidades. Neste ambiente, o consumo ganha um caráter social, já que a presença de marcas famosas dentro dos bairros pobres traz um sentimento de ascensão social que o poder de compra isolado não proporciona. “Apesar do aumento de renda vivido por estas pessoas, a autoestima ainda é baixa. Uma materialização disso são os rolezinhos. As pessoas têm dinheiro para consumir marcas legais, mas o restante da sociedade ainda não aceita a sua inclusão em espaços chiques. Grandes marcas em favelas ajudam a reduzir a crise de identidade que o pobre ainda enfrenta”, aponta Eliana Vicente, Antropóloga da Consumoteca especialista em Classes Populares, em entrevista ao Mundo do Marketing.

O que muda nas franquias instaladas nas favelas?

Entre as particularidades das favelas está a sua geografia, que conta com ruas estreitas, ladeiras, escadarias irregulares e dificuldades de acesso. Atentas a essas questões, as empresas formatam diversas versões de lojas afim de se adequar ao espaço. Um exemplo é a rede de lanchonetes Mega Matte que conta com versões de negócio para espaços grandes e pequenos, praças de alimentação de shoppings, além de quiosques compactos. A escolha do ponto é outro aspecto que deve ser levado em conta, especialmente para redes que dependem do recebimento de cargas via caminhão.

É o caso do Subway, que abriu dois pontos em comunidades no último semestre do ano passado: um na favela da Rocinha, na Zona Sul do Rio de Janeiro, e outro em Rio das Pedras, na Zona Oeste da cidade. A rede pretende ampliar sua presença nesses territórios com a abertura de três outras franquias ainda este ano, no Complexo do Alemão, na Maré e na Cidade de Deus, em Jacarepaguá. Para as novas lojas, a marca já acumula alguma expertise. “Selecionamos vias largas, as principais das duas comunidades em que estamos presentes. Isso assegurou fluxo de pessoas, visibilidade e acesso para as cargas”, conta Luis Carquejeiro, Diretor de Marketing do Subway, em entrevista ao Mundo do Marketing.

No quesito produtos, a rede mantém seu cardápio original. A postura é adotada pela maioria das empresas presentes nas favela. Isso se dá pela percepção de que o consumidor atualmente detém conhecimento globalizado e possui acesso aos produtos da rede também fora da região onde mora. “O modelo de franquia originalmente se dá pela repetição de padrões, independente da localização. A tendência é repetir os manuais para entregar sempre a mesma qualidade. Mudar os produtos por estar dentro de uma comunidade seria discriminatório”, comenta Beto Filho, Presidente da ABF Rio, em entrevista ao Mundo do Marketing.

Um consumidor em busca de afirmação social

O fato de uma pessoa morar em uma localidade historicamente pobre não significa mais que ela não tenha dinheiro. O que acontece entre os moradores e a comunidade é uma identificação afetiva, algumas vezes priorizando realizar seus consumos dentro da favela para fortalecer o comércio local. “As pessoas da comunidade são muito bairristas. Se tiverem oportunidade de fazer o consumo no entorno de sua casa, elas preferem. Muitos têm condições de sair da comunidade, mas não querem. Apesar do histórico de violência, consideram o lugar o mais alegre que conhecem”, diz o Presidente da ABF Rio.

O maior poder de compra reafirma um novo status social. Os emergentes querem consumir os mesmos itens que as classes mais altas. Eles consideram que esforços financeiros e profissionais para adquirir bens mais caros materializam um aumento em sua qualidade de vida. “As classes populares enxergam a cidadania materializada por meio do consumo democratizado. Uma mãe não se importa de fazer 200 faxinas em um mês, se seus filhos poderão assim ter roupas das mesmas marcas que os filhos da patroa. Isso é um filão para grandes marcas em regiões populares”, aponta Eliana Vicente.

Diante dessa constatação, o caminho para o sucesso dentro das favelas é conhecer os novos interesses da população local e preencher as lacunas que ainda existem. Não adianta tentar construir um novo consumo apenas instalando sua presença na região, se não houver uma demanda pré-existente. “O ingresso na região serve para aumentar a frequência de consumo e iniciar um relacionamento mais próximo de um consumidor que já compra da marca. Cacau show, por exemplo, está na comunidade porque os moradores já gostavam do chocolate”, avalia a Antropóloga da Consumoteca.

Franquias geridas por moradores

A escolha da região se dá por fatores variados. Empresários experientes enxergam um potencial no território ainda pouco explorado, ou estudos geocêntricos sugerem à marca abrir uma unidade na área. Nas redes de franquia, existe ainda a tendência de se buscar empreendedores locais, moradores que abrem seu negócio próprio e escolhem a própria comunidade por conta da afinidade pessoal. “Uma grande parte dos esforços das franquias se volta para classe C. As microfranquias se destacam como uma forma de emancipação cultural e financeira para essa parte da população”, diz o Presidente da ABF.

Para os empreendedores iniciantes, a franquia é uma escolha cada vez mais frequente pela segurança que o formato transmite. Esse pensamento se reflete na presença crescente de moradores das periferias em eventos do setor. “Nas feiras de franchising, percebemos um aumento das visitas de moradores de comunidades e da Baixada. Às vezes, a pessoa não sabe exatamente aonde deseja atuar e não possui conhecimento de mercado nem de administração e precisa da liderança de uma grande rede”, complementa Beto Filho, em entrevista ao Portal.