Entrevista

Entrevista
Clique aqui e acesse todo o conteúdo desta edição.

O lado bom da vida
Wellington Nogueira, fundador da ONG Doutores da Alegria, é um dos destaques da 15ª Convenção ABF do Franchising e fala sobre os benefícios de se conectar com o lado saudável para superar a crise
Wellington Nogueira - Doutores da Alegria - Revista Franquia & Negócios Ed.63Uma ideia ridícula! Esse foi o primeiro pensamento que passou pela cabeça de Wellington Nogueira ao receber o convite de uma amiga para integrar um grupo de palhaços que atuavam em hospitais norte-americanos. O ator já morava há alguns anos nos Estados Unidos e trabalhava em teatros musicais, mas não se sentia completamente realizado. “Eu ganhava dinheiro como ator, estava realizando um sonho, mas não estava me divertindo”.
A amiga o desafiou a abrir a mente para a ideia e, após insistência, Nogueira vestiu o nariz vermelho pela primeira vez. “Fiquei arrebatado com a qualidade. Vi artistas extremamente competentes que encantaram crianças, fazendo-as se conectar com seu lado mais saudável. Conheci a dimensão da arte que eu não conhecia: tocar a vida das pessoas”.
Após oito anos morando nos Estados Unidos, Nogueira precisou retornar ao Brasil para acompanhar o pai doente no hospital. O ano era 1991. Enquanto acompanhava o pai, que tinha um diagnóstico nada otimista, o ator vislumbrava uma gama de oportunidades para trazer o trabalho dos palhaços de hospital para o País. Nogueira utilizava a técnica de conexão com o lado positivo com o seu pai e, em pouco tempo, ele recebeu alta. “Eu queria agradecer a vida. Quanto mais fui me envolvendo no Brasil, mais o País foi se abrindo para o trabalho. Hoje, a ONG Doutores da Alegria é um dos trabalhos mais respeitados do mundo”, afirma.
Em 2016 acontecerá em Portugal uma convenção da comunidade de palhaços que atuam em hospitais. O Brasil será homenageado ao lado dos Estados Unidos e França. Confira a seguir os principais trechos da entrevista realizada com Nogueira, um dos destaques da 15ª Convenção ABF do Franchising.
Por que escolheu essa causa?
Eu não fazia ideia que a arte tinha esse poder. Hoje falamos tanto em cocriação e esse trabalho é um exemplo disso. Criança e palhaço criam juntos uma história de encontro. No hospital todos os olhares estão doentes em cima do que precisa ser curado, mas quando você olha para o que está bom e precisa ser estimulado, a criança começa a reagir. É mágico o que uma pequena provocação bem feita pode fazer para uma criança hospitalizada.
Há cura para este período de pessimismo generalizado que o País vive? Qual o diagnóstico? 
Com certeza. No hospital trabalhamos com crianças em que a crise é tão grande que leva o corpo a uma parada. Não devemos negar essa crise, mas olhar e estimular o que está bom. Nesses períodos geralmente fechamos portas, não tem jeito, mas palhaço e criança quando se conectam veem um universo de possibilidades. Em 2015 estamos aqui vendo o auge de uma crise global, com esperança pela projeção do que temos de melhor: capacidade de sonhar, criar e encontrar soluções. Se conectar com nosso lado mais saudável. A crise convida a ampliar o potencial de criatividade, de resolução de problemas, e o melhor é focar no que precisa ser feito para sair daquela situação. Muitas vezes não tem solução para a crise, mas se olhar sem julgamento, essas conexões ajudam a criar. Como vemos no hospital com crianças.
Então é possível traçar um paralelo entre a crise e um hospital. As pessoas estão se comportando como doentes?
O hospital me ajudou muito a ter esperança. Aqui fora vamos muito rápido para o fim do livro, enquanto lá tem toda uma equipe de profissionais tentando dar nó em pingo d’água.
Eu tenho notado medo nas pessoas, e ele é paralisante. No segundo semestre já há um pouco de bom-senso, as pessoas não querem se apequenar para a crise, elas têm corrido mais riscos. Se olhar a história do Brasil desde o plano Collor até agora, quantas crises vivemos e ainda estamos vivos?
Nas suas palestras empresariais as pessoas deixam se levar pelo lúdico? Adultos tendem a ser mais céticos.
Nosso trabalho é de deseducar de práticas insustentáveis. No hospital nós olhamos para a criança, vemos o que está bom e falamos que o importante é brincar. Ela não questiona, mesmo em estados difíceis. Os adultos são mais fechados, mas eu vejo um respeito muito grande. Hoje muita gente já ouviu falar dos Doutores da Alegria e a maior parte das empresas que fazemos contato responde e atende uma solicitação nossa para um encontro ou uma conversa. Eu não inspiro com frases feitas, nem sei fazer isso. O que eu vejo no hospital é uma história real, em uma situação de adversidade muito grande. Não podemos guardar isso só para nós, compartilhamos com todos.
Teve algum caso que te marcou?
Uma história tem mexido com todo o coletivo. Nós temos um jovem paciente de 15 anos que está há 13 anos em uma UTI, um dia ele manifestou um desejo: ver a lua, ele só via o teto. Era quase impossível de acontecer, mas as palhaças foram falando com os médicos, todo mundo abraçou a causa e escolheram uma noite de lua cheia. Todos se mobilizaram para fazer um luau. Ele viu a lua, estrelas, coisas que nunca tinha visto antes. Essa é uma de tantas histórias, nós que estamos aqui fora vemos a lua, as estrelas e nem percebemos. Essa história é uma bela radiografia de como conectar o lado bom das coisas. Saúde não é ausência de doença, é a conexão com a nossa potência, com nossa capacidade criativa, do conhecido para ir atrás de possibilidades.
Tem algum caso interessante dentro de empresa?
Eu tive a oportunidade de trabalhar com uma empresa há alguns anos que queria que o público entendesse o impacto de sustentabilidade. Propusemos mostrar que sustentabilidade começava pela relação que temos conosco. Era uma coisa tão simples e ao mesmo tempo tão ousada. Durante dois anos seguidos tivemos a oportunidade de trabalhar e realizar oficina com essa empresa e fomos bem avaliados, foi a primeira vez que vemos que esse conhecimento que temos no hospital viajava pelo mundo corporativo de maneira considerada inovadora. Antes de tudo, resgatar esse lado humano dentro da estrutura corporativa. Nos trouxe insights e práticas que acabaram se disseminando. Na dúvida, tenha sempre um “besteirologista” (termo utilizado para designar os palhaços que trabalham na ONG Doutores da Alegria) por perto, pois  desenvolve capacidade de oxigenar, de rir e se divertir.
Como uma empresa consegue ser certificada com o Riso 9000?
Essa certificação é uma grande brincadeira, levamos um besteirologista para fazer um check-up, um exame para ver o lado mais saudável. Ao final de cada visita damos o diagnóstico. É uma grande oportunidade para brincarmos um pouco e inserirmos a alegria, o jogo, a graça como uma ruptura do cotidiano do trabalho mecanicista. Incrível como uma pequena consulta reverbera dentro do local de trabalho.
Quais são as maiores “doenças” nas empresas atualmente?
É quando há necessidade de se apequenar por conta de uma pessoa, de um grupo ou quando fomentamos um ambiente de trabalho sem confiança, onde não podemos ter uma relação gostosa com as pessoas. Autoridade exercida por meio da força. Tudo aquilo que desrespeita e apequena o ser humano em potencial é insalubre. A nossa relação com trabalho é medieval, toda a estrutura corporativa. Hoje damos conta de sobreviver, precisamos viver com significado, propósito e por meio do trabalho encontrar soluções para melhorar o mundo, trazer soluções para a sociedade. Estamos em um momento de transformação muito bonito. O modelo de trabalho convencional respira por aparelhos, devemos deixar ir e reinventar nossa relação para gerar alegria, entusiasmo, sem obrigar ninguém a trabalhar. É um tempo que afasta a pessoa da relação familiar. Está na hora de repensar até a palavra trabalho, que vem do latim tortura. Precisamos de novos modelos, de novas relações.

“Eu tenho notado medo nas pessoas, e ele é paralisante. No segundo semestre já há um pouco de bom-senso, as pessoas não querem se apequenar para a crise, elas têm corrido mais riscos”

Doutores da Alegria - Revista Franquia & Negócios - Ed.63

 

Publicado em 16/10/2015
Veja alguns artigos interessantes do Portal do Franchising, clique e te levaremos para lá: