Início Notícias Desempregado, não. Empresário

Desempregado, não. Empresário

O Estado de S.Paulo – Naiana Oscar – 23/08

Com a falta de perspectiva de voltar para o mercado de trabalho, brasileiros que perderam o emprego nos últimos dois anos investem dinheiro da rescisão em negócios próprios; franquias são as preferidas

O que Edilson Gomes mais queria na vida era ser um fordiano como seu pai – um metalúrgico que sustentou os quatro filhos trabalhando até a aposentadoria em uma das maiores montadoras do País. Parte desse sonho ele conseguiu realizar mas, há exatamente um ano, descobriu que não teria o mesmo destino. Ele sabia da crise, acompanhou a produção despencar junto com a venda de veículos, mas já tinha visto coisa pior em duas décadas de Ford. Não seria essa a crise que iria derrubá-lo. Edilson custou a perceber que sua história na fábrica de motores de Taubaté, onde também trabalhavam seu filho, de 18 anos, e a filha, de 21, estava prestes a terminar. “Você não quer acreditar que vai acontecer com você, principalmente quando não existe um plano B.”

As circunstâncias, no entanto, obrigaram Edilson a procurar um. Aos 44 anos, ele representa estatísticas de dois setores da economia que vivem momentos praticamente opostos: está entre os 7,6 mil demitidos da indústria automobilística no primeiro semestre (período em que a venda de veículos despencou 20,7%) e, desde julho, é o novo dono de uma franquia no País – segmento que, apesar da crise, faturou 11,2% mais nos seis primeiros meses do ano.

A transição, como é de se imaginar, não foi planejada. Em agosto do ano passado, Edilson soube, primeiro, que seus filhos estavam na lista dos 224 funcionários da fábrica de Taubaté que teriam o contrato de trabalho suspenso. Mais tarde, no mesmo dia, também foi dispensado. “Meu sentimento era de um passarinho na gaiola que ia ter de voar.”

Sua história na Ford só foi interrompida definitivamente em março deste ano, quando voltou de uma reunião do sindicato com a carta de demissão nas mãos. Abriu o portão de casa, encontrou a mulher na garagem e, chacoalhando o papel que seu pai não gostaria de ter visto, disse que aquele era o primeiro dia de uma vida nova. Falou com convicção, embora não tivesse a menor ideia do que iria fazer dali em diante.

Como a deterioração do cenário econômico ainda é recente, fica difícil saber o destino dos milhares de brasileiros que, como Galvão, perderam o emprego nos últimos dois anos. Mas algumas informações servem de pista. Muitos continuam fora do mercado de trabalho. De acordo com o IBGE, o número de desocupados atingiu 1,8 milhão em junho. Ao mesmo tempo, a quantidade de empresas abertas no primeiro semestre foi recorde, segundo dados da Serasa Experian: chegou a 991 mil novos CNPJs, o que representa um crescimento de 5% em relação ao ano passado e de 25% na comparação com o já saudoso  2011, quando a crise ainda estava longe. “Parte desse avanço reflete o processo de formalização da economia”, diz o economista do Serasa Luiz Rabi. Mas há uma parcela, que não é possível definir, de desempregados que estão em busca de uma nova fonte de renda, sem carteira assinada.

Em uma série de três reportagens que serão publicadas aos domingos, o Estado vai contar histórias de quem que decidiu empreender num momento em que as incertezas da economia não permitem enxergar muito mais que um palmo à frente do nariz. Essa situação coloca em evidência dois tipos de empreendedores: há o grupo dos que perderam o emprego, não conseguiram voltar para o mercado de trabalho e se viram forçados a montar um negócio e o dos que têm dinheiro e sangue frio para olhar ao redor e identificar boas oportunidades.

“O primeiro caso exige mais cautela”, diz Enio Pinto, gerente nacional de atendimento do Sebrae. “Esse empreendedor pode estar colocando em risco a poupança profissional de uma vida inteira.”
Uma desvantagem dos desempregados que se tornaram empresários por necessidade é o tempo. Sem o salário pingando na conta todo mês, não há espaço para erros. “O que é um problema porque empreender demanda experimentação”, disse a psicóloga e especialista em empreendedorismo Vânia Nassif. Sem tempo para dar errado, empresários de primeira viagem que não estão dispostos a se arriscar demais são levados, quase que automaticamente, a pensar no segmento de franquias. “Pegar carona no sucesso de terceiros é uma possibilidade interessante para iniciantes”, diz Enio Pinto do Sebrae. “Não é preciso inventar a roda.”

Foi o que Edilson pensou quando a filha chegou em casa com a ideia de investir o dinheiro da rescisão na rede de franquias de uma conhecida. “Achei estranho no começo, mas eu tinha que me virar”, lembra. “Com a rescisão, tinha dinheiro para manter o mesmo padrão de vida por quatro anos, mas nossos filhos também foram demitidos e voltaram e depender da gente.”

Desde julho, esse ex-fordiano é o mais novo dono de um salão especializado em design de sobrancelhas (técnica que usa as medidas do rosto para moldar a sobrancelha), mas que também oferece serviços como alongamento de cílios, depilação egípcia e limpeza de pele. Sair da fábrica, onde começou como operador de máquina e chegou a gerente administrativo, para entrar no dia a dia de um salão de beleza foi uma decisão ousada, que só se concretizou com o respaldo da mulher, Cida – uma dona de casa formada em Nutrição e Estética, que já tinha testado suas habilidades de esteticista com as amigas no fundo do quintal. Se dividiram assim: ele cuida das contas; ela, das clientes.

A família investiu R$ 140 mil – 40% da poupança – para montar uma unidade da rede Sóbrancelhas no centro de Pindamonhangaba e já está negociando outra em São José dos Campos, cidades próximas a Taubaté, onde vivem. A rede de franquias do Vale do Paraíba mais que dobrou o número de unidades no País durante o primeiro semestre deste ano: foram 39 inaugurações. Hoje, a rede tem 70 unidades em operação com meta de chegar a 120 até o fim do ano. “A crise tem afetado menos o nosso setor”, diz a fundadora Luzia Costa. “A mulher pode estar quebrada, mas vai querer uma sobrancelha bonita.”
De uma forma ou de outra, toda a economia acaba sofrendo os efeitos da desaceleração do consumo. Alguns setores sentem mais e primeiro que outros. No franchising, por exemplo, ocorre um fenômeno curioso. As vendas e a abertura de unidades continuaram em alta no início deste ano, enquanto empresas de outros segmentos viram seus resultados se desmancharem. De janeiro a  março, foram abertas 5,6 mil novas unidades de franquias no País.

Em seis meses, segundo a Associação Brasileira de Franchising (ABF), o faturamento do setor cresceu 11,2%, para R$ 63,8 bilhões. “É inegavelmente um resultado que chama a atenção”, diz o consultor especializado em franquias Marcelo Cherto. “Mas é preciso lembrar que, no ano passado, pela primeira vez, o setor não cresceu a dois dígitos.” O ritmo de assinatura de novos contratos vem diminuindo, mas o interesse dos brasileiros é cada vez maior. O fundador do Grupo Cherto diz nunca ter recebido tanta ligação de gente interessada em investir em franquias, mas a compra, segundo ele, está sendo adiada para um momento em que a situação política e econômica esteja mais clara.

No fim de junho, a feira da ABF realizada em São Paulo recebeu um número recorde de visitantes. Cerca de 64 mil pessoas passaram pelo evento que contou com 480 expositores. “Não somos uma ilha, mas acho que aprendemos a lidar com crises”, diz Cristina Franco, presidente da ABF. “Afinal, mantivemos um crescimento consistente em todos esses anos, apesar da hiperinflação e do impeachment do Collor.”

Edilson viveu tudo isso empregado, com carteira assinada, 13º salário, plano de saúde da firma e a segurança que o sobrenome “Ford” lhe garantia naquele momento. Agora, é o Edilson da Sóbrancelhas.

Ainda que sinta um friozinho na barriga, não está com medo da nova fase. “O Universo não teria evoluído se não fossem as crises. É nisso que estou pensando agora.”