Jornal Estado de São Paulo – Fernando Scheller e Cátia Luz – 20/01
“Sonhar pequeno dá o mesmo trabalho que sonhar grande.” A frase atribuída ao empresário Jorge Paulo Lemann, um dos sócios do fundo 3G, dono do Burger King global, está na ponta da língua do presidente da operação brasileira, Iuri Miranda. A gestão agressiva e a cobrança de resultados são reforçadas em cartazes espalhados pelas paredes do escritório nacional da rede, em Alphaville, e se refletem nos números apresentados pela empresa, que dobrou sua participação de mercado em três anos.
Quase inexpressiva em 2010, a rede superou a marca de 400 pontos de venda e ultrapassou 6% de participação de mercado em 2013. Apesar do crescimento, o Burger King ainda está distante da rival McDonald’s, presente no Brasil há mais de 30 anos e que, sozinha, detém um terço do mercado de fast-food nacional. A marca perde ainda para Subway, Habib’s e Bob’s, segundo a consultoria Euromonitor.
O Burger King chegou ao País em 2004, pelas mãos do pecuarista Luiz Eduardo Batalha. Nos primeiros seis anos no País, a rede número dois do fast-food americano não conseguiu empreender expansão relevante.
As coisas começaram a mudar em setembro de 2010, quando o fundo 3G de Lemann, Mareei Telles e Beto Sicupira, donos da AB ImBev comprou a operação mundial do Burger King. No novo planejamento, os mercados emergentes viraram prioridade. Por isso, a velocidade da expansão no Brasil teria de aumentar e muito.
Em junho de 2011, o 3G firmou uma parceria com a Vinci Partners, do banqueiro Gilberto Sayão, para serem sócios na master franqueada da rede no País, a Burger King do Brasil (BK do Brasil). Essa nova empresa, passou a coordenar todas as franquias do País e tornou-se o principal braço de expansão da cadeia de fast-food.
Em 2013, a rede abriu 109 pontos de venda no País, 85% deles a cargo de Vinci e 3G. Segundo o presidente do Burger King do Brasil, a estratégia foi definida porque os sócios têm poder de investimento. “A tendência é que o número de lojas próprias (da master franqueada) seja maior”, diz Miranda. “Procuramos aplicar no varejo todo o conhecimento empresarial que a Vinci e a3Gtêm.” Hoje, o conselho da companhia é formado por três representantes da gestora de Sayão, sócia majoritária, e dois do 3G.
Se continuasse no modelo das “franquias-condomínio”, formadas por diversos pequenos investidores, o Burger King dificilmente conseguiria se impor já que a concorrência está agindo cada vez mais rápido. Segundo Sérgio Molinari, sócio-diretor da área de food service da consultoria Gouvêa de Souza, a expansão da rede nos últimos anos exigiu apostas em pontos que, num primeiro momento, podem ser até deficitários.
Como as redes mais estabelecidas já ocuparam avenidas e shoppings movimentados espaços considerados “filé”-, o Burger King foi obrigado a fazer dois movimentos ao mesmo tempo, explica o consultor: estabelecer-se em pontos obrigatórios para ganhar visibilidade e seguir a expansão da concorrência nas periferias das capitais e no interior. “Enxergamos potencial não só nas capitais”, afirma o presidente do Burger King Brasil.
Disputa de preço. A interiorização do fast-food segue de perto a tendência de atendimento à classe C. Por isso, o preço será cada vez mais decisivo para essas empresas. “O fast-food surgiu no Brasil atendendo à classe alta e tinha margem elevada. Agora, as redes têm de ganhar na quantidade, oferecendo opções abaixo de R$ 10”, explica Paulo Solmucci, presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel). “Nos últimos anos, o ajuste do cardápio foi significativo. Hoje, é fácil encontrar sanduíches a R$ 3 ou R$ 4 nesses restaurantes.”
As margens vão ficar menores, mas a tendência é de expansão do mercado. Segundo os dados mais recentes da Pesquisa de Orçamentos Familiares, do IBGE, 33% das refeições dos brasileiros já são feitas fora de casa. Molinari, da Gouvêa de Souza, afirma que o consumo de marcas de fast-food tem tudo para continuar crescendo: hoje, diz o executivo, elas só respondem por 5% do gasto do brasileiro com comida.
Neste sentido, diz Molinari, as ofertas mais caras das redes de fast-food os “combos” com batata frita e refrigerante, que custam entre R$ 15 e R$ 20 – serão a “porta de entrada” de parte da população na refeição fora de casa nos fins de semana. “O público das classes C e D está ávido para consumir marcas em todos os tipos de produto. A vantagem do fast-food sobre as roupas, por exemplo, é que não dá para falsificar a experiência de comer no McDonald´s e no Burger King”, compara.
Por isso, as empresas lutam para somar atributos à sua marca. “O que mais conta são os diferenciais, pois, para ser sincero, está todo mundo vendendo a mesma coisa: pão com carne”, diz um concorrente. Nessa disputa, Miranda afirma que o Burger King tem a vantagem de oferecer um produto grelhado, trabalhar com carnes nobres e permitir que o consumidor customize o sanduíche, mudando ingredientes. A ideia de personalizar a oferta está ligada à intenção de tornar o Burger King uma opção premium em fast-food.
Meritocracia. Do lado de dentro do balcão, 3G e Vinci apostam na meritocracia para motivar os funcionários: aqueles que atingem metas são premiados com bônus agressivos. Assim, até os gerentes das lojas são incentivados a pensar como donos. “Quando todo mundo está se divertindo, estamos trabalhando. O varejo tem de estar no sangue”, diz Miranda, que, após 20 anos na gigante americana Exxon Mobil, assumiu o comando do Burger King Brasil em 2010.
O sistema da rede não é muito diferente do que o McDonald´s aplica há décadas por aqui. “Nossa preocupação é estar mais perto do cliente. Chegamos a 20 cidades só no ano de 2013”, diz Dorival Pereira, vice presidente de desenvolvimento do McDonald´s Brasil. A rede também vem acelerando o passo de expansão: após inaugurar 69 restaurantes em 2012, o número subiu para 85 no ano passado quantidade muito parecida com a do Burger King, a partir de uma base bem maior.
O movimento do líder, aliado à forte expansão prevista por Subway e Bob’s para 2014, pode ser um sinal de que talvez o Burger King precise correr atrás dos “sonhos” mais rápido.
Redes se expandem e miram o interior
O apetite do brasileiro pelo fast food é tão grande que mesmo redes estabelecidas no País há décadas, como o McDonald’s e o Bob’s, buscam acelerar sua expansão para ocupar espaços antes de “novatas” como a Subway e o Burger King. Enquanto o McDonald’s abriu um total de 178 pontos de venda em 2013 85 restaurantes e 93 quiosques de sorvetes -, o Bob’s diz ter inaugurado 140 unidades no País, mas não revela a proporção de quiosques e lanchonetes.
A disputa no mundo das refeições rápidas agora é pela conquista das cidades menores e também das periferias das principais capitais. Com lojas mais compactas, que exigem um investimento relativamente pequeno, a partir de R$ 250 mil, o Subway tem liderado a expansão regional. Só no ano passado foram 340 inaugurações, para um total de 1.388 lojas em dezembro. Para 2014, as expectativas da empresa seguem fortes, com a meta de abrir pelo menos mais 360 pontos de venda.
Os pequenos municípios estão no radar de Roberta Damasceno, gerente nacional da Subway no Brasil. Com 14 agentes de desenvolvimento regional, a rede está apostando em pontos alternativos, como postos de gasolina e terminais rodoviários. “Cabemos em espaços a partir de 40 metros quadrados. O planejamento é bastante agressivo. Nossa meta é chegar a 8 mil unidades em dez anos. Ainda faltam 7 mil”, diz a executiva.
Uma tendência forte entre as redes tradicionais são os quiosques. Tanto é assim que o McDonald´s abriu mais unidades deste tipo do que restaurantes de maior porte. Segundo fontes do mercado de food service, o apetite pelo formato mais compacto é consequência direta da margem mais alta do sorvete em comparação aos hambúrgueres. Ter uma operação degelados consolidada é uma vantagem competitiva de Bob’s e McDonald´s, que são citados pelo mercado como os mais fortes deste segmento.
Segundo Sérgio Molinari, sócio-diretor da área de food service da consultoria em varejo Gouvêa de Souza, como o sorvete é um produto relativamente barato, acaba sendo uma opção de consumo para a classe C mesmo na época do mês em que o salário já acabou. “A pessoa não vai fazer a conta para saber que aquele sorvete de R$ 4 teve um custo total para a rede de R$ 1”, diz o especialista. “No mundo do fast food, o fator custo-benefício conta muito pouco. O que importa é caber no bolso.”
Transporte. Diante de tanta expansão, aumenta a pressão sobre os operadores logísticos do setor. Hoje, sobraram três grandes concorrentes nesta área: Martin Brower (que atende Subway, Bob’s e McDonaWs), Fast Food (Burger King e China in Box) e Comfrio (OutbackeStarbucks). “A escala é fundamental, pois os custos de transporte são altos no Brasil”, diz José Augusto Santos, diretor comercial da Martin Brower. “Entre nossos clientes, o crescimento foi de mais de 500 lojas em 2013.” Essa disputa acirrada já deixou vítimas, apurou o Estado. A Luft Food Service, que após anos de contrato perdeu um dos seus principais clientes, o Bob’s, foi vendida à rival Fast Food. Procuradas, as empresas não retornaram o contato.