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Contrato de franquia não é adesão

Contrato de franquia não é adesão

20/9/2022

APRESENTAÇÃO DO PROBLEMA GERAL DO TEMA

O Contrato de Franquia ou franchising é o documento que rege a relação jurídica para viabilizar o negócio entre o franqueado e o franqueador, sendo de fundamental importância para a manutenção da relação entre as partes envolvidas.

Ocorre que, diante de eventuais imbróglios judiciais decorrentes da dinâmica empresarial entre franqueadora e franqueado, algumas discussões conceituais a respeito do contrato de franquia surgiram na vigência da antiga lei de franquia nº 8955/94, como exemplo, se o contrato de franquia poderia ser classificado ou não como contrato de adesão.

Na realidade, essa discussão iniciou quando se questionou se seria possível a inclusão da cláusula compromissória no contrato de franquia (arbitragem), o que acaba por abordar também a classificação da natureza jurídica do contrato de franquia.

Em 2016 a Ministra Nancy Andrighi, na relatoria do Recurso Especial nº 1.602.076/SP , entendeu que “com fundamento na doutrina e nos julgamentos deste Superior Tribunal de Justiça, o contrato de franquia ou franchising é inegavelmente um contrato de adesão”.

Este não é, entretanto, o entendimento majoritário da jurisprudência atual, como se observa nas seguintes decisões das Câmaras de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo:

“O fato de ser de adesão o contrato firmado entre as partes não retira o seu caráter bilateral e sinalagmático, nem tampouco permite ao aderente vir a juízo alegar o descumprimento das obrigações do outro contratante de forma genérica, esperando que o juízo obrigue o adversário a demonstrar o contrário.

Assim, conquanto a ordem jurídica confira alguma proteção aos contratos de adesão, a relação de franquia é de natureza empresarial, não se aplicando à espécie a disciplina legal de relações de hipossuficiência, e sim a própria legislação específica que rege a matéria, que não confere ao franqueado a postura processual pretendida pelos apelantes” Des.

GRAVA BRAZIL (TJSP; Apelação Cível 1052303-09.2016.8.26.0100; Relator Grava Brazil; 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Julgamento: 16/09/2020).


1 RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. CONTRATO DE FRANQUIA.
CONTRATO DE ADESÃO. ARBITRAGEM. REQUISITO DE VALIDADE DO ART. 4º, § 2º, DA LEI
9.307/96. DESCUMPRIMENTO. RECONHECIMENTO PRIMA FACIE DE CLÁUSULA
COMPROMISSÓRIA “PATOLÓGICA”.
ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO. POSSIBILIDADE. NULIDADE RECONHECIDA. RECURSO
PROVIDO.

1. Recurso especial interposto em 07/04/2015 e redistribuído a este gabinete em 25/08/2016.

2. O contrato de franquia, por sua natureza, não está sujeito às regras protetivas previstas no CDC, pois
não há relação de consumo, mas de fomento econômico.

3. Todos os contratos de adesão, mesmo aqueles que não consubstanciam relações de consumo, como os
contratos de franquia, devem observar o disposto no art. 4º, § 2º, da Lei 9.307/96.

4. O Poder Judiciário pode, nos casos em que prima facie é identificado um compromisso arbitral “patológico”, i.e., claramente ilegal, declarar a nulidade dessa cláusula, independentemente do estado em que se encontre o procedimento arbitral.

5. Recurso especial conhecido e provido.

(Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial nº 1.602.076/SP, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi)


Moderna visão dos contratos de adesão, precipuamente como fruto de uma tentativa racional dos agentes econômicos de reduzir custos de transação.

As disparidades de poder de barganha e de poder de mercado entre as partes pouco têm a ver com o conceito mesmo de contrato de adesão.

O contrato por adesão forma-se de maneira singular, entre partes que não podem ou não querem perder tempo com a negociação das cláusulas contratuais, sob pena de inviabilizá-lo.

(TJSP; Apelação Cível 1003942-17.2018.8.26.0576; Relator (a): Cesar Ciampolini; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro de São José do Rio Preto – 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 04/10/2021; Data de Registro: 04/10/2021).

PROPÓSITO E ESCOPO DO TRABALHO

O presente trabalho tem como propósito demonstrar, sinteticamente, através de uma ampla e atual pesquisa doutrinária e jurisprudencial realizada, que, apesar do desatualizado entendimento do C. STJ, os contratos de franquia não devem ser considerados contratos de adesão, pois não estão presentes nessa figura contratual os requisitos básicos necessários para caracterização desta modalidade contratual.

Neste sentido, ensina Alexandre David que o contrato de franquia não deve ser considerado de adesão, vez que o franqueado tem a oportunidade de analisar, discutir, negociar e decidir por firmar ou não o contrato. Vejamos:

“Outro aspecto importante do contrato de franquia diz respeito a sua característica que, no nosso entendimento, não é por adesão, na medida em que o franqueador, apesar de ser o responsável pela organização empresarial, criação e fornecimento de manuais e treinamentos para a transferência de know-how, fornece ao candidato a COF com dez dias de antecedência para análises, consultas a advogados, franqueados da rede e estudos econômicos/financeiros de viabilidade.

Naturalmente, o próprio franqueador transfere as regras do negócio para o Contrato de Franquia sob o modelo por ele desenhado, estabelecendo condições previamente estipuladas, especialmente em relação ao padrão do franqueador, elemento essencial do sistema de franchising.

Todavia, não raro se estabelece negociação de taxas de franquia, royalties, taxas de renovação e questões particulares.”

(SANTOS, Alexandre David. Aplicabilidade e limites das cláusulas de não concorrência nos contratos de franquia. São Paulo: Almedina, 2019. p. 35/36)

O contrato de franquia é em regra elaborado levando-se em conta o próprio sistema legal e a padronização inerente ao setor, prevendo regras que são essenciais à manutenção das redes de franquia, mas usualmente sofrem alterações, fruto de negociações entre as partes, conforme as necessidades do franqueador e do franqueado.

CONCEITO DE CONTRATO DE FRANQUIA CONFORME O NOVO MARCO DA LEI DE FRANQUIA

Importante ressaltar a promulgação da Lei nº 13.966, que revogou expressamente a Lei 8.955/94, popularmente conhecida como “A Nova Lei de Franquias”, e estabeleceu expressamente alguns princípios e normas, dentre as quais a não caracterização da relação de consumo e vínculo empregatício entre o franqueador e o franqueado .

Neste sentido, ressalta-se que, sempre que há relação de consumo, indispensável a aplicação do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90), o que, conforme se verificará, não é o caso nas relações empresariais de franquia.

Ademais, é inegável que o caráter principiológico do Novo Marco Legal do Franchising direciona o setor e seus agentes, e reforça a independência e a liberdade negocial entre empreendedores – franqueados e franqueadores – estabelecendo claramente a paridade empresarial, como regra da natureza jurídica dessa relação. Registre-se, os contratos de franquia são, essencialmente, firmados em ambiente negocial entre empresários, sem qualquer relação de hipossuficiência entre as partes, com objetivo de realizar investimentos e expandir a rede de unidades franqueadas.

Seguindo este racional, a doutrina recente já se posicionou no sentido de rechaçar o entendimento proferido pelo C. STJ, estando em conformidade com o que dispõe a legislação vigente, como nos ensinamentos de Sidnei Amendoeira Jr.:

“Em nosso sentir, a relação contratual que se estabelece entre a Franqueadora e os franqueados, em um contrato de franquia, não é, e nem pode ser equiparada a uma relação de consumo, pois o franqueado em momento algum é o destinatário final dos produtos e serviços fornecidos pela Franqueadora.

E isso, como visto acima, consta expressamente do artigo primeiro da nova lei de franquias, o que não aconteceu na lei anterior.

(…)

O contrato de franquia não é um contrato de adesão. Isso porque a Franqueada, como empresária que é, poderia ter optado por um sem-número de alternativas de mercado. Neste sentido, ensina ORLANDO GOMES:

‘O que caracteriza o contrato de adesão propriamente dito é a circunstância de que aquele a quem é proposto não pode deixar de contratar porque tem necessidade de satisfazer a um interesse que, por outro modo, não pode ser atendido.

Assim, quem precisa viajar, utilizando determinado meio de transporte há de submeter-se às condições estipuladas pela empresa transportadora, pois não lhe resta outra possibilidade de realizar o intento.

A alternativa é contratar ou deixar de viajar, mas se a viagem é necessária, está constrangido, por essa necessidade, a aderir às cláusulas fixadas por aquele que pode conduzi-lo.” (Contratos. Rio de Janeiro, Forense, 2002, pág. 119, 120).

Nesta mesma vertente, LINA FERNANDES acrescenta:

“Assim sendo, enquadra-se a franquia na categoria dos contratos POR adesão.

O candidato a franqueado pode dispensar o contrato ou mesmo celebrá-lo com pessoas diversas.


2 Art. 1º Esta Lei disciplina o sistema de franquia empresarial, pelo qual um franqueador autoriza por meio de contrato um franqueado a usar marcas e outros objetos de propriedade intelectual, sempre associados ao direito de produção ou distribuição exclusiva ou não exclusiva de produtos ou serviços e também ao direito de uso de métodos e sistemas de implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvido ou detido pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem caracterizar relação de consumo ou vínculo empregatício em relação ao franqueado ou a seus empregados, ainda que durante o período de treinamento.


Inexiste uma necessidade a ser satisfeita, que o faz aderir obrigatoriamente, a determinado contrato.

Entretanto, optando pela celebração do contrato de franquia, o candidato a franqueado há de aderir a vontade do franqueador, o que caracteriza o contrato POR adesão.

Especificamente com relação à franquia, entendemos que somente da aceitação integral, pelo franqueado, das cláusulas contratualmente impostas pelo franqueador, que detém o know-how, pode advir o sucesso da rede, interesse maior dos contratantes.”

Já havia na doutrina quem defendesse, de forma minoritária, a posição contrária.

Assim, por exemplo, MARCELO C. P. FERNANDES afirmava que “contrato de franquia empresarial possui cláusulas rígidas, predeterminadas e uniformes, porquanto são anteriormente produzidas, não estão sujeitas a uma das partes e os aderentes.

Ademais, se o franqueado está interessado na marca por seu conhecido sucesso e eficiência comercial, estão não terá escolha senão aceitar as condições impostas por esta empresa ou terá que procurar uma outra oportunidade.

Por último, em um contrato de franchising, as cláusulas contratuais são todas produzidas e apresentadas pela franqueador, podendo o franqueado aceitá-las ou rejeitá-las em bloco, sendo que sua manifestação volitiva restringe-se a aceitação ou não.

Para nós, o fato de o contrato ser padronizado ou tipo, decorre de uma obrigação legal, qual seja, o fato de a Lei de franquia determinar que, antes da contratação seja entregue uma cópia da Circular de Oferta de Franquia, sendo que um de seus anexos é justamente a minuta padrão do contrato de franquia.

Ora, o fato de a Lei exigir a apresentação prévia aos candidatos da franqueado, da minuta padrão do contrato de franquia, não quer dizer que estes não possam negociar seu conteúdo, condições comerciais e cláusulas junto às Franqueadoras.

Afirmar, pura e simplesmente, que o contrato de franquia são imutáveis e unilateralmente impostos é desconhecer a realidade do mercado de franquia.

Cada vez mais, os franqueados estão mais preparados, informados e acompanhados de excelentes profissionais (advogados e consultores) que os auxiliam a negocias cláusulas e condições chave do contrato de franquia.

Além disso, é muito comum, principalmente em franquias de pequeno e médio porte, com vistas à expansão da marca, que muitas das cláusulas contratuais sejam negociadas sim.

Por fim, mesmo em franquias maduras, isso também ocorre, ainda que em menor medida.

Mas um fenômeno recente é importante para demonstrar que o argumento não pode ser lançado de forma tão simplista e sem uma análise profunda do segmento: os chamados multifranqueados.

Um mesmo operador pode ser uma mesma marca.

Nesta condição, sua possibilidade negocial aumenta, e muito, com relação ao contrato padrão da franquia e muitas redes, pequenas, médias ou grandes, buscando atrair esses grandes players do mercado, tem feito concessões expressivas em seus contratos de franquia.

Diante isso, a questão parecia pacificada no sentido de que não haveria verdadeira adesividade com relação aos contratos de franquia, mas mera existência de contrato tipo ou padronização, até que acórdão oriundo do STJ colocou a questão em xeque:

“Assim, com fundamento na doutrina e nos julgamentos deste STJ, o contrato de franquia é inegavelmente um contrato de adesão.

Quanto à diferenciação apresentada pela recorrida segundo a qual contratos “por adesão” são distintos de contratos “de adesão”, entendo que essa sutileza sintática é incapaz de representar alguma diferença semântica relevante, pois o Direito não trata de forma distinta essas duas supostas categorias.”

(REsp 1602076/SP, Rel. Min. NANCY ANDRIGHI, 3ª TURMA, julgado em 15.09.2016).

Trata-se de precedente isolado, em que a relatora do caso, a Ministra Fátima Nancy Andrighi, usou como fundamento para sua conclusão, trecho da doutrina da Adalberto Simão sobre o tema em que se afirma, de maneira absolutamente simplista, em nosso sentir, que o franchising é o contrato que permite a distribuição, industrialização ou comercialização de produtos e/ou a prestação de serviços “nos moldes e formas previstos em contrato de adesão”.

Ademais, ela descartar a efetividade da distinção entre contratos por e de adesão, acima referida, com base na doutrina de Nelson Nery Jr. que não se aplica ao caso por um motivo simples e que o próprio trecho transcrito pela Ministra no acórdão em comento revela.

Quando o jurista diz que o contrato de adesão não encerra novo tipo contratual, mas somente uma técnica de formação que pode ser aplicada a qualquer tipo contratual, o faz, apenas e após afirmar que o Código de Defesa do Consumidor fundiu as duas situações – contrato por e de adesão – em uma única categoria.

Ora, em nosso sentir, o jurista fez tal afirmação levando em conta o campo de atuação do CDC e os contratos a eles submetidos, e não a qualquer tipo contratual não submetido às regras do CDC, como é o caso do contrato de franquia.

Aliás, a própria Ministra reconhece, no mesmo acórdão, que as regras do CDC são inaplicáveis ao caso.

Assim, nos parece imprópria a tentativa da Ministra de, então, pura e simplesmente afirmar que o contrato de franquia é inegavelmente de adesão porque não se pode “limitar os contratos de adesão apenas às relações de consumo”.

Certamente, não se pode, mas também não se pode pautar em critério exclusivo e inerente às relações de consumo para tentar impor a mesma lógica a relações entre empresários autônomos, como é o caso das relações de franquia.

Veja que mais uma vez, ao citar o jurista Nelson Nery, a Ministra Nancy afirma que os contratos de adesão foram criados por exigências de economia de escala visando a venda de produtos e serviços, o que certamente não é o caso dos contratos de franquia, que não tem tal finalidade.

A consequência, caso o entendimento deste precedente seja adotado, é que, sendo considerados como contratos de adesão, os contratos de franquia deverão ser interpretados em favor do aderente, sendo nulas as cláusulas consideradas abusivas (arts. 423 e 424, CC).

Assim, no caso de um contrato de franquia, as cláusulas contratuais deverão ser interpretadas em favor dos franqueados em caso de dúvida, omissão ou inconsistência.

Não é esta, porém, a nossa opinião como esclarecemos acima.

Havendo dúvida em um contrato de franquias, como em qualquer contrato empresarial, deve ser apurada a real intenção das partes, quando da contratação de modo a interpretá-la desta forma.

(O Contrato de Franquia – Sidnei Amendoeira Jr. In Franchising / Sidnei Amendoeira Jr., Fernando Tardioli e Melitha Norvoa Prado, coordenadores – São Paulo : Thomson Reuters Brasil, 2021. p. 250/254)

CONTRATO DE FRANQUIA: CONTRATO DE COLABORAÇÃO, MISTO E AUTÔNOMO

Parte da doutrina, além de entender que o contrato de franquia não é de adesão, classifica-o como sendo de colaboração.

Fábio Ulhoa Coelho ensina quais são as formas de colaboração empresarial:

“São duas as formas de colaboração empresarial:

a) na primeira, um dos empresários contratantes (o colaborador) compra, em circunstâncias especiais, a mercadoria fabricada ou comercializada pelo outro (o fornecedor) para revendê-la.

Nesse grupo, inserem-se os contratos de distribuição-intermediação e de concessão mercantil.

b) na segunda forma de colaboração, os contratantes não realizam contrato de compra e venda mercantil; o colaborador busca empresários interessados em adquirir as mercadorias fabricadas ou comercializadas pelo fornecedor.

Contratam a compra e venda o interessado localizado pelo colaborador e o fornecedor.

É o caso dos contratos de mandato, comissão mercantil, agência, distribuição aproximação e representação comercial autônoma “

(COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, vol. 3, 16ª ed., São Paulo: Saraiva, 2015, p. 110.)

E ainda, prossegue:

“Para que exista a colaboração, é necessária a orientação geral por conta de um dos contratantes (fornecedor), à qual forçosamente se submete o outro (colaborador).

Por evidente, as partes mantêm plena autonomia como sujeitos de direito, e muitos dos aspectos da organização empresarial do colaborador são definidos exclusivamente por ele, sem nenhuma ingerência do fornecedor.

Mas, em variados graus, de acordo com o tipo de contrato, verifica-se certa dependência de uma das empresas envolvidas na colaboração em face da outra.

Essa particularidade, inclusive, suscita discussões sobre a natureza mercantil ou trabalhista de determinados vínculos, em especial quando formalizados como representação comercial autônoma.

Para concluir, lembre-se que certos contratos, como a franquia, a licença de marca e o agenciamento de publicidade, também podem ser classificados entre os de colaboração.”

(COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, Ed. Saraiva, 2013, fls. 113/114).

Nesse sentido, para que haja sucesso em um contrato de franquia deverá haver a colaboração das duas partes, de maneira ativa, autônoma e independente, pois se o franqueador não definir as diretrizes e orientações básicas de seu negócio e, por outro lado, o franqueado não colaborar para que essas regras sejam cumpridas e até mesmo serem aperfeiçoadas, o objeto do contrato não será alcançado.

CONCEITO DE CONTRATO DE ADESÃO

Podemos definir contrato de adesão como aquele que é redigido única e exclusivamente pelo fornecedor contratado, não possibilitando ao consumidor contratante qualquer modificação ou ajuste das cláusulas propostas.

Em outras palavras, o contratante, na maioria das vezes consumidor, é obrigado a ingressar na relação contratual, aderindo e assinando o contrato.

O Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90), em seu artigo 54 assim define o contrato de adesão:

Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.

Na relação do contrato de adesão, não há por parte do contratante ou do consumidor qualquer outra ação a não ser aquela de consumo do produto ou do serviço prestado pelo contratado.

A relação de hipossuficiência e de passividade do contratante é uma característica significativa do contrato de adesão.

Neste sentido, Luiz Antônio Rizzato Nunes leciona que:

“Dentre as características desses contratos, a mais marcante é sua estipulação unilateral pelos fornecedores, que, adotando modelo prévio, estudado e decidido por conta própria, os impõem a todos os consumidores que quiserem – ou precisarem – adquirir seus produtos e serviços.

O produto e/ou serviço são oferecidos acompanhados do contrato. Com isso, o consumidor, para estabelecer a relação jurídica com o fornecedor, tem de assiná-lo, aderindo a seu conteúdo. Daí se falar em “contrato de adesão”.

Agora, anote-se que o uso do termo “adesão” não significa “manifestação de vontade” ou “decisão que implique concordância com o conteúdo das cláusulas contratuais”.

No contrato de adesão não se discutem cláusulas e não há que falar em pacta sunt servanda.

É uma contradição falar em pacta sunt servanda de adesão.

Não há acerto prévio entre as partes, discussão de cláusulas e redação de comum acordo.

O que se dá é o fenômeno puro e simples da adesão ao contrato pensado e decidido unilateralmente pelo fornecedor, o que implica maneira própria de interpretar e que, como também vimos, foi totalmente encampado pela lei consumerista.”

(RIZATTO NUNES, Luiz Antônio. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor – 4. ed. rev. – São Paulo : Saraiva, 2009. p. 633)

Veja-se que, conforme supramencionado, uma das principais características do contrato de adesão é a imposição de um modelo único de contrato, oferecido ao consumidor que, devido à sua hipossuficiência na relação, muitas vezes necessita firmar tal vínculo. É o caso, por exemplo, do fornecimento de água, luz, serviços telefônicos e venda de passagens aéreas. Sobre o assunto, veja-se as lições do professor Sílvio Rodrigues:

“Contrato de adesão, nome que lhe deu SALEILLES, é aquele em que todas as cláusulas são previamente estipuladas por uma das partes, de modo que a outra, no geral mais fraca e na necessidade de contratar, não tem poderes para debater as condições, nem introduzir modificações, no esquema proposto. Este último contraente aceita tudo em bloco ou recusa tudo por inteiro (cf. Messineo, Doctrina General del Contrato, vol. I, pág. 440).

(…)

Para que contrato de adesão se caracterize como tal, mister se faz a presença de várias circunstâncias, a saber:

a) O negócio deve ser daqueles que envolvem necessidade de contratar por parte de todos, ou de um número considerável de pessoas.

O exemplo do concessionário de eletricidade é característico.

A vida moderna criou necessidades novais, tais a utilização da força e luz elétrica, de modo que é difícil compreender, na vida urbana, alguém que dispense o benefício decorrente de seu fornecimento.

Ora, havendo um monopolista a fornecer tal serviço, este impõe as condições de fornecimento, que todos devem aceitar.

Aqui não se trata de coação, porque o consumidor pode rejeitar o contrato, sem qualquer sanção ou perigo. Portanto, não há que falar em vício da vontade.

b) O contratante mais forte deve desfrutar de um monopólio de direito ou de fato, ou seja, é mister que a procura exceda em tal proporção a oferta, que uns precisem comprar e os outros possam se recusar a vender.

Pois, caso contrário, isto é, no de ampla e livre concorrência, o consumidor poderia se satisfazer alhures, fugindo à imposição de contratar com determinada pessoa.

c) É mister que os interessem em jogo o permita.

Isso ocorre quando há multiplicidade de situações uniformes, de maneira que a oferta é dirigida a uma coletividade.”

(RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil – São Paulo : Saraiva, 1980-1981. p. 45/47, grifou-se.)

A consequência, caso o contrato seja considerado como contrato de adesão, é a de que seja interpretado em favor do aderente, sendo nulas as cláusulas consideradas abusivas (arts. 423 e 424, CC).

Assim, no caso de um contrato de franquia ser considerado como de adesão, as cláusulas contratuais deveriam ser interpretadas em favor dos franqueados, em caso de dúvida, omissão ou inconsistência.

Não é esta, porém, nossa opinião, como esclarecemos acima.

Havendo dúvida em um contrato de franquia, como em qualquer contrato empresarial, deve ser apurada a real intenção das partes, quando da contratação de modo a interpretá-la desta forma.

DIFERENÇAS ENTRE CONTRATO DE ADESÃO E CONTRATO DE FRANQUIA

Antes de mais nada, cabe diferenciar as principais características entre o contrato empresarial, aí enquadrado o contrato de franquia, e um contrato de adesão. Para alcançar tal propósito, utilizaremos como exemplo o contrato de colaboração e o contrato de locação, sendo este último o mais próximo de um contrato de adesão, e que, mesmo assim, a doutrina e a jurisprudência rechaçam qualquer dúvida a esse respeito;

Neste sentido, importa ressaltar que as características de um contrato de adesão não possuem qualquer elemento de identificação com o Contrato de Franquia. Ainda, a padronização inerente ao contrato de franchising – que pressupõe a necessidade de excelência na manutenção da qualidade em uma rede, é completamente distinta da massificação de contratos idênticos impostos aos consumidores no caso de contratos de adesão. Sobre o assunto:

“Ademais, o contrato de franquia também não pode nem deve ser considerado contrato de adesão, ou seja, aquele em que a parte aderente não tem outra opção que não aderir àquele contrato para obter aquele produto ou serviço.

Em primeiro lugar porque se trata de um negócio, de um investimento, da busca na montagem de uma empresa que atue perante o mercado consumidor.

Não há qualquer imposição por parte da franqueadora nem exclusividade, ao contrário, existe, sim, uma prévia análise, minuciosa, de um grande investimento que o candidato a franqueado poderá ou não escolher, para atuar perante o mercado de consumo (…).

Regras pré-estabelecidas existem, portanto, justamente para preservar as características e padrões inerentes ao conceito de “rede”; no entanto, não há que se falar em um contrato imposto e inalterável, classificado como de adesão”

(Principais características dos contratos de Franchising. In: Direito Processual Empresarial. Estudos em homenagem a Manoel de Queiroz Pereira Calças. Editora Elsevier, 2012, pp. 939/940).

Ademais, não se pode considerar a relação entre franqueador e franqueado uma relação de hipossuficiência por parte do franqueado ou de vulnerabilidade de uma das partes, vez que se trata de relação puramente empresarial, em que ambas as partes estão em paridade ou em condições de igualdade.

Este é, inclusive, o amplo entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo, conforme se verifica:

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO EMPRESARIAL. CONTRATO DE FRANQUIA.

AÇÃO INDENIZATÓRIA MOVIDA POR FRANQUEADO EM FACE DA FRANQUEADORA OBJETIVANDO CONDENAÇÃO DESTA AO RESSARCIMENTO DE DANOS MATERIAIS E COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA.

APELO DA FRANQUEADORA PRETENDENDO A REFORMA DA SENTENÇA. CABIMENTO.

CONTRATO DE FRANQUIA QUE É ESSENCIALMENTE EMPRESARIAL, NÃO HAVENDO QUE SE FALAR EM VULNERABILIDADE DAS PARTES.

AUTOR QUE CONCORDOU COM O ESTABELECIMENTO DA UNIDADE FRANQUEADA (CURSO DE IDIOMAS) NA REGIÃO DE BÚZIOS, ESCOLHENDO O PONTO COMERCIAL E ALUGANDO IMÓVEL TAMBÉM DE SUA ESCOLHA.

INSUCESSO DO NEGÓCIO QUE NÃO PODE SER ATRIBUÍDO AO CURSO DE IDIOMAS OFERTADO GRATUITAMENTE PELA PREFEITURA LOCAL.

AUTOR QUE NÃO CUMPRIU COM ALGUMAS DAS OBRIGAÇÕES PACTUADAS.

RISCO INERENTE À ATIVIDADE COMERCIAL QUE DEVE SER ASSUMIDO PELO EMPRESÁRIO.

FRANQUEADORA QUE NÃO ASSUME PAPEL DE GARANTIDORA DE RENTABILIDADE OU SUCESSO DO NEGÓCIO, QUE DEPENDE DE MUITOS OUTROS FATORES, ENTRE ELES, A PRÓPRIA ATUAÇÃO DO FRANQUEADO.

APROVAÇÃO DA FRANQUEADA DO PONTO COMERCIAL E DO IMÓVEL QUE SE RESTRINGE À OBSERVAÇÃO DE DETERMINADOS PARÂMETROS, DE MODO A PRESERVAR A QUALIDADE DO SERVIÇO E O PRESTÍGIO DE SUA MARCA.

INCABÍVEL, IGUALMENTE, O PLEITO DE RESSARCIMENTO DE TODAS AS DESPESAS, JÁ QUE ESTAS ERAM DE RESPONSABILIDADE EXCLUSIVA DO FRANQUEADO, CONFORME CLARAMENTE DISPOSTO NO CONTRATO. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO.

AINDA QUE CRÍVEL A FRUSTRAÇÃO DO AUTOR COM O INSUCESSO DO NEGÓCIO, NÃO SE VERIFICA A EXISTÊNCIA DE NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE A CONDUTA DA RÉ E O ALEGADO DANO EXTRAPATRIMONIAL.

REFORMA DA SENTENÇA DE MODO A JULGAR IMPROCEDENTES OS PEDIDOS INDENIZATÓRIOS, MANTIDA APENAS A DECLARAÇÃO DE RESCISÃO DO CONTRATO.

INVERSÃO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS, DEVENDO O AUTOR ARCAR COM O PAGAMENTO DAS DESPESAS PROCESSUAIS E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS, OBSERVADA A GRATUIDADE DE JUSTIÇA DEFERIDA. RECURSO A QUE SE DÁ PROVIMENTO.

(Apelação Cível no 0030180-61.2014.8.19.0209 Apelante: Yielding English School Ltda.

Apelado: Rodrigo Garcez de Jesus Juízo de Origem: 4a Vara Cível do Foro Regional da Barra da Tijuca – Comarca da Capital Relatora: Desembargadora Mônica Feldman de Mattos)

APELAÇÃO CONTRATO DE FRANQUIA

1. DEFESA DO CONSUMIDOR Inaplicabilidade do CDC Franqueado e franqueador que são empresários, presumindo-se tenham conhecimento da ética empresarial que o consumidor protegido pela Lei no 8.078/90 não possui Inexistência de caracterizar de relação de consumo ou vínculo empregatício Inexistência de hipossuficiência em contratos assinados entre empresários

2. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA Nulidade alegada Inexistem dúvidas interpretativas Cláusula de eleição de foro firmada regularmente com destaque na sua redação Competência da Câmara Arbitral eleita para dirimir o conflito (art. 8o, par. único, Lei 9.307/96) Precedente do STJ e das Câmaras Reservadas de Direito Empresarial Extinção do processo sem resolução do mérito Sentença de acerto mantida

3. HONORÁRIOS RECURSAIS Majoração (CPC, art. 85, § 11) Valor fixado de R$ 1.500,00 majorado para R$ 2.500,00 Recurso improvido.

(TJSP – ApCiv 1009045-34.2020.8.26.0576 – 2a Câmara Reservada de Direito Empresarial – j. 17/2/2021 – julgado por Ricardo Negrão – DJe 17/2/2021, grifou-se)

Área do Direito: Civil; Processual; Consumidor APELAÇÃO FRANQUIA “REDE D LIMPA”

1. JUSTIÇA GRATUITA Pedido em sede recursal Concessão Deferimento com efeito “ex nunc”, não abrangendo as condenações impostas pela sentença de primeiro grau

2. CONTRATO DE ADESÃO CDC Inaplicabilidade Não há hipossuficiência em contratos assinados entre empresários, presumindo-se ciência e experiência daquele que assume a responsabilidade de administrar uma unidade franqueada, a par da assistência técnica e administrativa a ser prestada pela franqueadora Precedentes do STJ

3. MÉRITO NULIDADE CONTRATUAL Alegação de vícios da COF Inocorrência

4. DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL Teses de falta de suporte, treinamento e implantação da Comprovação de suporte técnico aos franqueados e treinamento Sentença de acerto mantida

5. HONORÁRIOS recursais Majoração Percentual de 15% majorado para 17% Efeito ex nunc Aplicação do art. 98, § 3o do CPC Recurso não provido.

(TJSP – ApCiv 1011103-63.2019.8.26.0602 – 2a Câmara Reservada de Direito Empresarial – j. 20/11/2020 – julgado por Ricardo Negrão – DJe 20/11/2020, grifou-se)

No entanto, ainda que se considere o contrato de franquia como contrato de adesão, o que se considera neste trabalho apenas por amor ao debate, faz-se necessário compreender que o contrato de franquia é um contrato empresarial e com partes em paridade de condições para celebrá-lo, e esse fator deve, portanto, impedir que sejam aplicados aos contratos de franquia os entraves e proteções aplicados aos contratos de adesão tipicamente de consumo.

Este já vem sendo, inclusive, o entendimento em Tribunais Pátrios, conforme se verifica:

Contrato de “franchising”.

Ação movida por franqueado contra franqueadora e empresa a ela coligada.

Pedidos alternativos de anulação ou resolução da avença, cumulados com pedido de indenização por danos materiais e morais.

Ação conexa da franqueadora, com pedido condenatório ao pagamento de taxas, “royalties” e multa contratuais.

Sentença de improcedência da ação e de procedência da ação conexa.

Apelação.

Em que pese ser de adesão o contrato de franquia, suas cláusulas não hão de ter, só por isso, a validade questionada.

Moderna visão dos contratos de adesão, precipuamente como fruto de uma tentativa racional dos agentes econômicos de reduzir custos de transação.

As disparidades de poder de barganha e de poder de mercado entre as partes pouco têm a ver com o conceito mesmo de contrato de adesão.

O contrato por adesão forma-se de maneira singular, entre partes que não podem ou não querem perder tempo com a negociação das cláusulas contratuais, sob pena de inviabilizá-lo.

Validade das disposições contratuais em causa. Precedentes das Câmaras Reservadas de Direito Empresarial deste Tribunal.

Convalidação tácita, pelo decurso de largo lapso temporal, dos motivos alegados para formulação dos pedidos indenizatórios até a superveniência de atos das rés que, tendo passado a privilegiar nova marca, deixaram de dar assistência ao autor no uso da marca original.

Aplicação do Enunciado IV do Grupo de Câmaras Empresariais deste Tribunal, posto que os fatos se deram sob a égide do direito anterior à vigente Lei 13.966/2019:

“A inobservância da formalidade prevista no art. 4º da Lei nº 8.955/94 pode acarretar a anulação do contrato de franquia, desde que tenha sido requerida em prazo razoável e que haja comprovação do efetivo prejuízo.”

Inexecução contratual das rés em dado momento, quanto ao dever de cumprir suas obrigações relativamente à marca “Los Cabrones Mexicanos”, aquela originalmente objeto do contrato, passando a promover tão somente nova marca, “Los Mex”.

Resolução do contrato de franquia que, por ser de prestação continuada, permite a restituição das partes tão somente até o “status quo ante” ao momento da inexecução:

“Só é possível remontar à situação anterior à celebração do contrato se este não for de trato sucessivo, pois, do contrário, a resolução não tem efeito em relação ao passado; as prestações cumpridas não se restituem.” (ORLANDO GOMES).

Contratos coligados.

Apesar de sua individualidade, destinam-se eles à mesma finalidade econômica. Inadimplemento de um dos contratos acessórios que frustra a finalidade perseguida nas operações coligadas, desequilibrando a avença principal.

“Ora, um contrato tido como acessório pode perfeitamente ter por objeto prestação cujo inadimplemento acarrete a frustração da coligação como um todo.

Em outras palavras, o contrato ‘acessório’ pode conter obrigações essenciais, no contexto da coligação contratual.

Por essa razão, muitas vezes será infrutífera a tentativa de determinar a relevância da prestação a partir da função acessória ou principal do contrato descumprido” (FRANCISCO PAULO DE CRESCENZO MARINO).

Coligação entre circular de oferta de franquia, apresentada por uma ré, e o contrato de franquia, celebrado pela outra, que permite a responsabilização solidária de ambas pelo dever de restituir ao autor os valores pagos a partir da data da resolução contratual. Sentença reformada, julgando-se parcialmente procedente a ação por primeiro ajuizada e improcedente a ação conexa.

Apelação parcialmente provida.

(TJSP; Apelação Cível 1003942-17.2018.8.26.0576; Relator (a): Cesar Ciampolini; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro de São José do Rio Preto – 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 04/10/2021; Data de Registro: 04/10/2021)

“O fato de ser de adesão o contrato firmado entre as partes não retira o seu caráter bilateral e sinalagmático, nem tampouco permite ao aderente vir a juízo alegar o descumprimento das obrigações do outro contratante de forma genérica, esperando que o juízo obrigue o adversário a demonstrar o contrário.

Assim, conquanto a ordem jurídica confira alguma proteção aos contratos de adesão, a relação de franquia é de natureza empresarial, não se aplicando à espécie a disciplina legal de relações de hipossuficiência, e sim a própria legislação específica que rege a matéria, que não confere ao franqueado a postura processual pretendida pelos apelantes”.

(TJSP; Apelação Cível 1052303-09.2016.8.26.0100; Relator Grava Brazil; 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Julgamento: 16/09/2020)

Esclarecemos neste trabalho que o contrato de adesão se caracteriza por um instrumento contratual, no qual as cláusulas são previamente estipuladas por um dos contratantes, de modo que o outro não tem o poder de debater, negociar as condições, nem incutir modificações nos termos propostos: ou aceita tudo em bloco ou recusa por inteiro.

Mas nesse último caso, não poderá consumir o serviço ou produto do objeto contratual.

Desta forma, o que se deve ter em mente é que, mesmo em casos que se considerem o contrato de franquia um contrato de adesão, não há razão para considerar o franqueado hipossuficiente, equiparando-o a um consumidor.

Nessa mesma lógica, assegura Carlos Roberto Gonçalves: Contratos de adesão são os que não permitem essa liberdade, devido à preponderância da vontade de um dos contratantes, que elabora todas as cláusulas.

O outro adere ao modelo de contrato previamente confeccionado, não podendo modificá-las: aceita-as ou rejeita-as, de forma pura e simples, e em bloco, afastada qualquer alternativa de discussão.

São exemplos dessa espécie, dentre outros, os contratos de seguro, de consórcio, de transporte, e os celebrados com as concessionárias de serviços públicos (fornecedoras de água, energia elétrica etc.).

E prossegue: Uma das principais características dessa modalidade contratual é, com efeito, a independência do franqueado, sua autonomia como empresário, de caráter jurídico, administrativo e financeiro, não mantendo qualquer vínculo de natureza empregatícia com o franqueador.

Essa autonomia, todavia, é relativa, uma vez que o franqueado depende da estrutura fornecida pelo franqueador.

Para manter uma padronização, o franqueado submete-se a muitas regras impostas por aquele. Há, efetivamente, certos atos que o franqueado não pode praticar sem a autorização do franqueador, como, por exemplo, promoções e descontos nos produtos.

Malgrado a mencionada Lei n. 8.955, de 15 de dezembro de 1994, tenha disciplinado alguns de seus aspectos, pode-se ainda dizer que é um contrato atípico, em que as relações entre franqueador e franqueado continuam regendo-se exclusivamente pelas cláusulas convencionadas.

É, também, de natureza bilateral, consensual, oneroso e de trato sucessivo.

É o que entende também Fran Martins:

O contrato de franquia compreende a prestação de serviços e a distribuição de certos produtos, de acordo com as normas convencionadas.

A prestação de serviços é feita pelo franqueador ao franqueado, possibilitando a esse a venda de produtos que tragam a marca daquele.

A distribuição é a tarefa do franqueado, que se caracteriza na comercialização do produto.

Os dois contratos agem conjuntamente, donde ser a junção de suas normas que dá ao contrato a característica de franquia.

Muito se aproxima esse contrato de outros, havendo, contudo, pontos que os distanciam.

Assim, está ele bem ligado ao contrato de concessão exclusiva, mas dele se destaca porque neste há um monopólio por parte ao concessionário, enquanto tal não acontece com a franquia.

Também se aproxima do contrato de fornecimento, mas dele também se distancia, pois no fornecimento o fornecedor não é obrigado a prestar assistência, técnica ou comercial, ao comprador, o que ocorre com a franquia.


3 GONÇALVES, Carlos Roberto Direito civil brasileiro, volume 3 : contratos e atos unilaterais / Carlos Roberto Gonçalves. – 16. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2019, p. 122

4 GONÇALVES, Carlos Roberto Direito civil brasileiro, volume 3 : contratos e atos unilaterais / Carlos Roberto Gonçalves. – 16. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2019, p. 876


Igualmente, a franquia se aproxima do simples contrato de distribuição, feito pelos comerciantes por meio de agentes ou sucursais espalhadas em vários recantos.

Em tal caso, as sucursais são dependentes das empresas produtoras ou distribuidoras das mercadorias e os agentes ou representantes são simples intermediários nas vendas.

O franqueado é, como se disse, independente e age em nome próprio, e não como representante do produtor.

A este se liga apenas porque dele recebeu o direito de comercializar o produto, franqueado muitas vezes usando do nome, título do estabelecimento do franqueador ou sua insígnia, de modo a induzir o consumidor a adquirir o produto com a mesma certeza de autenticidade que o adquiriria do próprio produtor.

É, assim, o contrato de franquia autônomo, muito embora seja um produto híbrido de outros contratos.

Classifica-se a franquia como um contrato consensual, bilateral, oneroso, de execução continuada, híbrido e típico.

Especificamente ao contrato de franquia, partindo-se da conceituação como um contrato complexo de colaboração, HUMBERTO THEODORO JUNIOR conclui que não se trata de um contrato de adesão, pois nestes, a adesão seria inevitável (proposta formulada à coletividade, na qual o contratante tem a imperiosa necessidade de contratar, não havendo condições práticas de recusar a contratação): “adere, apenas, se for de sua conveniência e interesse” (Apontamentos sobre a responsabilidade civil na denúncia dos contratos de distribuição de franquia e concessão comercial. Revista de Direito Mercantil, São Paulo, n. 122, p. 7-37, 2001 Apud MARINA NASCIMBEM BECHTEJEW RICHTER, A Relação de Franquia no mundo empresarial e as tendências da jurisprudência brasileira, 2021, p. 78).

Por fim, no que tange ao contrato de locação, ressaltamos que, não obstante ser elaborado invariavelmente pelo locador, com cláusulas pré-estabelecidas, e não elaborado em conjunto com o locatário, a jurisprudência brasileira não o considera um contrato de adesão, senão vejamos:

“APELAÇÃO CÍVEL – EMBARGOS À EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL – CONTRATO DE LOCAÇÃO DE IMÓVEL COMERCIAL – INAPLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – A EXISTÊNCIA DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL DO DEVEDOR NÃO IMPEDE O PROSSEGUIMENTO DAS EXECUÇÕES CONTRA TERCEIROS DEVEDORES SOLIDÁRIOS – SÚMULA 581 DO STJ – VALIDADE DA CLÁUSULA DE RENÚNCIA DO FIADOR AO BENEFÍCIO DE ORDEM – INADIMPLÊNCIA RECONHECIDA PELA EMBARGANTE – ALEGAÇÃO DE EXCESSO DE EXECUÇÃO – NÃO CONFIGURADO – PREVALÊNCIA DO DISPOSTO NO TÍTULO EXECUTIVO – REJEIÇÃO DOS EMBARGOS À EXECUÇÃO QUE SE MANTÉM.

A execução vem lastreada em contrato de prestação de serviços não adimplido, instrumento que representa um título executivo extrajudicial, nos termos do previsto no art. 784, III, do CPC/2015.

Constata-se que a apelante firmou o contrato locatício, na qualidade de fiadora do locatário, que se encontra em processo de recuperação judicial, fato que não impede o prosseguimento da execução, tampouco extingue o valor apontado por ter havido a habilitação do crédito no Juízo falimentar.

Validade da cláusula de renúncia do fiador ao benefício de ordem. Art. 828, I, do CC/02.

Contrato de locação comercial que não se amolda ao conceito de contrato de adesão.


5 MARTINS, Fran. Contratos e obrigações comerciais / Fran Martins. – 18. ed., rev., atual. e ampl. por Gustavo Saad Diniz – Rio de Janeiro: Forense, 2018, pg. 376


Alegação de excesso de execução não configurado.

Prevalência do avençado pelas partes no título executivo extrajudicial.

Rejeição dos Embargos à execução.

Jurisprudência do STJ e julgados deste Tribunal. Negado provimento ao recurso.”

(TJRJ, Apelação Cível nº 0065360-78.2017.8.19.0001 – APELAÇÃO. Des(a). EDSON AGUIAR DE VASCONCELOS – Julgamento: 30/10/2019 – DÉCIMA SÉTIMA CÂMARA CÍVEL, grifou-se)

Apelação – Embargos à execução – “Contrato de arrendamento de imóvel e instalações e concessão de uso de espaço para armazenagem e movimentação de combustíveis” – Nulidade da sentença por ausência de fundamentação – Inocorrência – Nulidade da cláusula de renúncia ao benefício de ordem – Não acolhimento – Redução da multa moratória – Impossibilidade – Nulidade da cláusula de eleição de foro – Inexistência – Honorários advocatícios contratuais – Exclusão.

O fato de a decisão recorrida não ter dado ao caso a solução que o apelante entende correta não caracteriza ausência de fundamentação adequada, podendo-se extrair da respeitável sentença, com clareza, os motivos que conduziram o nobre magistrado à conclusão externada no ato decisório que proferiu.

Em regra, não se vislumbra nos contratos de locação a ausência de liberdade na discussão do conteúdo do contrato.

Nos contratos de locação celebrados por empresas, com o objetivo de fomentarem suas atividades econômicas, essa ausência de liberdade é praticamente inexistente, dada a ampla possibilidade de negociarem e influírem, mutuamente, na fixação do conteúdo do contrato e no estabelecimento de suas cláusulas, razão pela qual não se trata de contrato de adesão e não é inválida a renúncia ao benefício de ordem.

Nos contratos que não sejam de adesão, a competência em razão do valor e do território pode ser modificada por convenção das partes, desde que a eleição de foro conste de contrato escrito e faça alusão a determinado negócio jurídico, consoante disposto na norma do artigo 63 do Código de Processo Civil (CPC/1973, art. 111).

Multa moratória fixada em dez por cento não é manifestamente excessiva nem destoa da praxe do mercado imobiliário, sendo este inferior ao percentual que se costuma praticar em contratos de locação, razão pela qual sua redução não deve ocorrer.

Instaurada a demanda, os honorários advocatícios fixados pelas partes no contrato só têm aplicação na hipótese de resolução extrajudicial da controvérsia entre elas havida.

Se o processo prosseguir até ser proferida sentença, só serão cabíveis os honorários que forem fixados pela decisão judicial.

Apelação provida em parte.

(TJSP; Apelação Cível 1001070-85.2018.8.26.0428; Relator (a): Lino Machado; Órgão Julgador: 30ª Câmara de Direito Privado; Foro de Paulínia – 1ª Vara; Data do Julgamento: 21/10/2020; Data de Registro: 04/11/2020, grifou-se)

Desta forma, não há qualquer racionalidade jurídica em não se considerar o contrato de locação como adesão e, por outro lado, enquadrar o contrato de franquia em tal classificação, vez que ambos, mesmo possuindo cláusulas pré-estabelecidas e/ou padronizadas, possibilitam à outra parte o debate sobre estas cláusulas, em condições paritárias.

Ainda, no caso específico do contrato de franquia, presume-se experiência e capacidade técnica daquele que pretende administrar uma unidade de franquia, atendendo aos requisitos mínimos de perfil desejado, não havendo, assim, qualquer relação de hipossuficiência entre as partes.

Há de considerar, ainda, que os contratos de franquia são firmados em ambiente altamente empresarial, após lapso temporal necessário e suficiente para avaliação de riscos envolvendo a decisão pelo investimento por parte do empresário-franqueado, logo, incompatível com a natureza jurídica de consumidores e dos contratos de adesão.

CONCLUSÃO

Desta forma, resta claro que o contrato de franquia não pode ser interpretado ou caracterizado um contrato de adesão, o que é incompatível com sua classificação como contrato empresarial, de natureza jurídica autônoma, mista e de colaboração, não sendo, ainda, admitida a relação de hipossuficiência, pois há paridade e independência entre os empresários (franqueados e franqueadores).

No mesmo sentido, tampouco há relação de consumo, diferenciando-se, assim, completamente em sua essência, o que já se consolida na doutrina moderna e jurisprudência atualizada.

Por fim, sob qualquer ângulo analisado, seja legal, doutrinário, jurisprudencial e mercadológico, o entendimento é uníssono: o contrato de franquia tem natureza jurídica mista, autônoma e de colaboração.

Nasce e se desenvolve em ambiente puramente negocial e é firmado por investidores (franqueados) e empreendedores (franqueadores) cuja finalidade é desenvolver determinada atividade empresarial, a partir de um modelo de negócio idealizado, testado e capaz de reduzir os riscos do investimento, aumentando significativamente as chances de obtenção de êxito, caracterizando o que se encontra disposto na Nova Lei de Franquias (Lei nº 13.966/2019).

ALEXANDRE DAVID Com experiência de mais de 25 anos, é sócio fundados do Escritório Alexandre David Advogados, reconhecido no Brasil como um dos advogados especialistas mais respeitáveis na área de franchising.

Estruturou departamentos jurídicos e elaborou estratégias de grandes empresas nacionais e multinacionais.

Responsável pela expansão internacional de franquia para 14 países. Mestre em Direito Empresarial pela FGV-SP. Autor de inúmeros artigos, livros, além de ministrar cursos sobre Franchising, palestras, seminários no Brasil e no exterior. Vivência Internacional – 2003/2004 – EUA – Atens/Columbus/Ohio – Ohio University – MBA Internacional – FGV.

GABRIEL DI BLASI Advogado, Engenheiro industrial, agente da propriedade industrial e sócio fundador do Escritório Di Blasi, Parente & Associados.

Autor da obra A Propriedade Industrial, 1ª, 2º e 3ª Edições, Editora Forense 1997, 2005 e 2010 – Vice Presidente da ABAPI, membro responsável pela área de PI e assuntos regulatórios da FIESP, Membro fundador do IrelGov.

Mentor da Templo Ventures, Endeavor Brasil e Inovativa Brasil.

Chair do Group de Design da FICPI, membro do Comitê de Enforcement da INTA e membro do Comitê Design da AIPPI.

Comissão de Estudos Jurídicos da Associação Brasileira de Franchising

Por: Alexandre David e Gabriel Di Blasi