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Artesanato profissional

Meu Próprio Negócio – Michele Stella – 20/10

Com foco na qualidade e na padronização, e possível expandir pelo sistema de franquia

O mercado artesanal tem conquistado números expressivos no Brasil com produtos inovadores e diferenciados. Atualmente, cerca de 8,5 milhões de empreendedores fazem do artesanato o seu pequeno negócio. Esse nicho tão específico tem movimentado mais de R$ 50 bilhões por ano, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

O empresário Marcelo Moretti responde por uma fatia de todo esse volume. Depois de conhecer no exterior o sucesso das mãos de cera em festas infantis e até mesmo eventos corporativos, ele trouxe a novidade para o Brasil. Com matéria-prima de alta qualidade, o processo de criação de uma mão de cera é bem divertido e leva poucos minutos. Basta ter o equipamento próprio, um pouco de água gelada para resfriar a parafina e habilidade para atender bem a um público de todas as faixas etárias.

A brincadeira é rápida e há demanda. Já a conquista de credibilidade e uma trajetória de ascensão, ao contrário, exigem muito aprendizado, experiência no dia a dia do negócio e aposta nas estratégias de crescimento corretas. A Mãos de Cera atua desde o fim da década de 1990, mas não faz tanto tempo assim que a marca ultrapassou as fronteiras da capital paulista.

“O início foi muito complicado, porque as pessoas não conheciam o trabalho e eu não tinha experiência em vender meu produto. Comecei em feiras como a de Embu das Artes (município do Estado de São Paulo) e atendendo ao mercado de festas infantis”, conta Marcelo. Sua empresa realiza oficinas recreativas que atraem pela interatividade com o público, composto de crianças e adultos.

“O consumidor leva o molde de sua própria mão para casa. Ela sai como se fosse uma luva e é possível servir para decorar e até mesmo fixar objetos como logotipos de empresas e adesivos diversos”, explica.

Atualmente, a marca conta com representantes em cidades paulistas como Campinas e São José do Rio Preto, mercado interiorano no qual, principalmente, o segmento de festas infantis ainda tem crescimento expressivo, e, inclusive, em capitais como Rio de Janeiro (RJ) e Belo Horizonte (MG). A proposta é conquistar espaço por meio de uma rede de franquias e os primeiros passos estão sendo dados. “A idéia agora é ter um pacote para oferecer aos franqueados. Vamos vender o equipamento, dar treinamento e orientar os parceiros sobre como atender ao mercado de festas, a eventos corporativos, a instituições de ensino, à demanda em condomínios residenciais, entre outros”, informa o dono da marca.

A preocupação principal é em encontrar as pessoas certas. “O ideal são profissionais que já atuam no mercado de eventos, como, por exemplo, oficinas de decoração com balões, aluguel de equipamentos infláveis e alguns outros tipos de serviços. A Mãos de Cera será uma marca para agregar a atividade desses empreendedores”, pontua Moretti. Segundo ele, há modelos estruturados que exigem um investimento inicialde R$ 40 mil, valor da taxa de franquia e que corresponde ao equipamento e estoque mínimo para o começo dos trabalhos. Outra opção atende a quem já é dono de algum estabelecimento da área de recreação com interesse em ter um espaço fixo para as oficinas de mãos de cera. “Nesse caso, a pessoa só vai precisar de uma vitrine, um tablado e um armário para guardar a matéria-prima.” Ainda está sendo estudada a idéia do modelo de quiosque para corredores de shoppings.

O objetivo de Moretti com a expansão dos negócios é aproveitar a demanda de mercados nos quais a marca ainda não atua por conta dos limites geográficos. Viajar para outros locais encarece demais o custo do serviço e torna o atendimento inviável. Já com uma rede de franquias, ele terá o ganho em escala e sua marca poderá estar presente em todos os cantos do País. Hoje, para atender a uma festa infantil padrão e criar 50 mãos de cera comuns, o valor cobrado é de R$ 1,1 mil por até quatro horas. Mãos especiais, com objetos decorativos fixados, elevam o preço para R$ 1.250.

Os desafios

Planejamento e ações estratégicas foram imprescindíveis para Moretti ter no papel exatamente quais são seus objetivos e que estrutura pretende atingir, assim como a forma de passar as técnicas para os franqueados. Explicar todos os procedimentos, mantendo qualidade, é o principal desafio, de acordo com a administradora de empresas e especialista em projetos da Goakira Consultoria, Nadia Korosue.

Ela acredita no potencial do mercado artesanal e acha possível, sim, crescer nesse setor por meio de uma rede de franquias. “Isso atende a um público que busca produtos regionais de alta qualidade e que é mais exigente. É aquele sabonete com aroma diferenciado, o bolo caseiro que lembra as avós de antigamente ou algo inovador, mas que é feito com carinho e dedicação”, explica.

Para orientar futuros franqueadores, a especialista lista algumas necessidades básicas: avaliar se o negócio é realmente rentável e se o produto tem potencial, mapear e descrever em detalhes todo o processo produtivo até o acabamento, montar uma ficha técnica a respeito de todos esses processos e trabalhar com isso em forma de manuais material necessário para rede de franquias -, elaborar um bom plano de treinamento, definir como será o acompanhamento e monitoramento por meio de monitores de campo, por exemplo, como a equipe interna e externa de profissionais realizará todo esse trabalho e, ainda, projetar a capacidade de crescimento e mapear as áreas a que se pretende chegar com a marca.

“É necessário ter tudo muito bem planejado e contar até mesmo com uma análise de viabilidade do negócio, para se ter idéia do potencial de expansão. Uma boa pesquisa para avaliar a satisfação dos clientes também ajuda bastante. Esse é o procedimento inicial para, então, pensar no perfil de futuros franqueados e sair em busca deles”, ensina. Não há um tempo mínimo para o empreendedor pensar no crescimento, mas Nadia acredita que, em menos de um ano, principalmente se tratando do segmento artesanal, isso não é viável. “Há prós e contras, claro, mas os poucos que têm apostado nesse mercado estão tendo sucesso”, complementa a especialista.

O receio em dar um passo tão importante como esse, no entanto, existe e é comum, segundo Nadia, até mesmo pela preocupação com a marca, já que credibilidade se conquista ao longo do tempo e resulta em qualidade, comprometimento e diferenciais atrativos.

Formatar o sabor

Hoje à frente de uma rede com 150 lojas, a empresária Cleusa Maria da Silva, da Sodiê Doces, demorou anos para decidir transformar seu negócio em um modelo formatado de franquia. “Comecei fazendo bolos e vendendo como complemento de renda. Quando montei uma loja, foi pensando em melhorar a qualidade de vida, mas nunca tinha pensado em franquia, nem entendia direito o que significava”, conta.

O investimento inicial de Cleusa foi de R$ 2,5 mil, já que trabalhava em um espaço dentro de sua própria casa. A receita de sucesso foi rápida. Nem foi necessário tanto fermento na massa para conseguir abrir outras lojas, em sociedade com amigos. A primeira foi em Salto, cidade natal da empreendedora; a segunda, em Itu; e a terceira, em Indaiatuba, todas municípios do interior do Estado de São Paulo.

Um dia, um cliente da capital paulista demonstrou interesse na marca e sugeriu a expansão por meio de uma rede de franquias. “Depois de muito tempo, de esse cliente tentar me convencer a arriscar, fui fazer um curso da ABF (Associação Brasileira de Franchising). Foi muito aprendizado, trabalho, e acho que um pouco de sorte também”, avalia.

Cleusa optou em fornecer as receitas para seus franqueados e checar bem de perto se o procedimento estava sendo seguido à risca. Atualmente, ela viaja com frequência e tem uma equipe especializada em garantir a qualidade dos bolos e doces que levam a sua marca em todos os Estados em que Sodiê está presente. “Todas as lojas têm cozinha própria e uma cozinheira treinada por nós. Temos uma estrutura grande para o treinamento, o franqueado passa 30 dias, pelo menos, em cursos teóricos e práticos e aprende a fazer tudo o que está no cardápio”, informa. Uma nutricionista, inclusive, faz parte dos profissionais envolvidos no negócio.

Manter a qualidade dos bolos caseiros, segundo Cleusa, é o principal desafio. O facilitador é que 70% dos franqueados eram clientes antigos. Aliás, o processo de avaliação de potenciais parceiros é bem rígido. “A gente só aceita, por exemplo, aquele empreendedor que vai acompanhar de perto o seu negócio, que estará presente no dia a dia da loja, porque, do contrário, a coisa não funciona. Tem de ter comprometimento e não pensar exclusivamente em ganhar dinheiro. Eu estive presente na loja durante 15 anos e agora tenho meu filho também que me ajuda”, argumenta.

A taxa de franquia da Sodiê Doces atualmente é de R$ 350 mil. 0 segredo da trajetória tão bem-sucedida vem da dedicação e do carinho pela tarefa. “Eu não era confeiteira, mas sempre busquei o melhor, sempre exigi muito de mim em relação à qualidade e achava que era preciso aperfeiçoar a cada dia. O resultado chegou.”

Padrão de qualidade caseiro

Manter o padrão de qualidade de produtos artesanais é um ponto destacado pelo professor de economia e empreendedorismo da Escola de Negócios da Faculdade Getúlio Vargas (IBEFGV), Paulo Barbosa. Para ele, um dos principais erros é querer crescer de forma rápida demais. “É preciso planejar, fazer contas, avaliar o orçamento. Também é necessário questionar-se: tenho condições de abrir uma rede de franquias Como vou orientar os futuros franqueados Como será o treinamento Vou ter o domínio necessário para isso É preciso estar seguro com relação a todos esses questionamentos”, pontua. O procedimento para crescer, de acordo com o professor, em um primeiro momento, exige domínio do negócio, ter bom produto, aceitação no mercado, e pensar em como será o processo produtivo. “Você pode ser o fornecedor dos franqueados, mas vai precisar dar conta da demanda, respeitando o padrão de qualidade. Se a idéia é ensinar outros a fazer o que faz, então, passa a ser fundamental a questão do treinamento, sem contar todos os outros procedimentos que dizem respeito à cara da marca, já que franquia exige padronização em tudo, da cor de uma loja ao jeito de expor os itens nas prateleiras”, exemplifica Barbosa.

Artesanal em série

A rede Gatos de Rua, em Recife, Pernambuco, conta com uma equipe de 600 pessoas trabalhando em uma central de produção dos mais diversos itens artesanais, de bijuterias a bolsas. Para a expansão ocorrer por meio de franquia, primeiro houve o aumento da confecção com a aposta em uma cooperativa, já que há um projeto social envolvendo meninos de rua atrelado à marca, que está há dez anos no mercado. “Tivemos uma experiência inicial de licenciar a marca para determinados produtos. Mas, com isso, perdemos o controle do processo produtivo e não foi interessante. O artesanato exige que você desenhe a peça, pense no layout, enfim, cuide de todas as etapas até a venda. Temos uma linha de pulseiras feitas no tear que é incomparável”, explica Marcos Antônio Kelner Fontes, um dos sócios, que também conta que seu irmão, o designer Beto Kelner, é que cuida da parte criativa.

No início da empreitada, os itens da Gatos de Rua eram vendidos em uma feirinha tradicional do Recife (PE), a do Bom Jesus. A aceitação foi tão boa que surgiu o investimento em uma pesquisa de mercado para avaliar a real demanda. Consequentemente, veio a idéia de apostar na parceria com pessoas já ligadas ao artesanato e também capacitar mão de obra, criando líderes comunitários. “Nessa época, participamos de feiras grandes, conceituadas, até que desenvolvemos um piloto de loja de 9 m2, em Porto de Galinhas (PE), e em dois meses já estávamos com o segundo ponto”, detalha Fontes.

Outro diferencial da marca é o perfil ecológico. Os produtos são feitos com materiais provenientes de reciclagem, algo muito apreciado por grande parcela dos consumidores da atualidade e que também atrai franqueados engajados com causas ambientais são, hoje, mais de 20 lojas no Brasil. “Crescer no setor de artesanato é bem mais difícil. Os clientes estão cada vez mais exigentes, querem um item feito à mão, mas com roupagem industrial, com alta qualidade. Não compram artesanato só pela questão social, embora isso tenha valor agregado”, destaca o empresário. Para ele, antes de pensar em crescimento, é necessário ter uma linha de produtos que seja funcional do ponto de vista comercial. Para completar, ele destaca características como garra, foco, determinação e, até mesmo, obstinação.

“Com a globalização do mercado, cada vez mais precisamos de criatividade para enfrentar a concorrência. É isso o que faz diferença”, enfatiza o sócio da Gatos de Rua, citando como exemplo uma linha da marca que tem como matéria-prima fios de alumínio. “É contemporâneo, tem público consumidor, mas também tem o lado de vencer costumes, tradição do mercado tradicional, que usa a madeira como principal fonte na linha de itens decorativos.”

Perfil inovador

Há dois anos no mercado, a Rabisquedo tem conquistado espaço em ritmo acelerado pelo quesito inovação. A partir de desenhos feitos no papel por uma sobrinha, Bruno Abdelnur, formado em ciência da computação, decidiu correr atrás de uma forma de aproveitar toda essa produção infantil. Conheceu no Canadá uma artesã que fazia bonecos a partir de desenhos de crianças e trouxe o negócio para o Brasil, já que ela só exercia a atividade por hobby e não com foco comercial.

Por aqui, ele foi atrás de uma costureira para o primeiro protótipo. Deu tão certo que deixou o emprego com carteira assinada para empreender. O investimento foi de R$ 50 mil, aproximadamente, e hoje a produção é de 100 bonecos por mês, com cinco artesãs cuidando dessa demanda. “Elas são terceirizadas e estão em cidades como Sorocaba, São Bernardo do Campo e Angatuba, ejá penso na logística para atender a pedidos feitos pelo site”, explica o empreendedor.

Em 2014, o foco é apostar no modelo formatado de franquia para conquistar ainda mais espaço no mercado e aumentar a clientela. “Fui estudar como funcionam as startups, o que fazem para sobreviver com um modelo enxuto e que permite crescer rápido”, diz Bruno. Para ter sua marca franqueada, ele se dedica ao desenvolvimento de uma central de produção, pensando em um local para abrigar várias artesãs. Ele também investe na produção de vídeos explicativos e pensa em franquear um modelo de oficinas recreativas, no qual o público desenvolverá na hora os seus bonecos Rabisquedo. “A idéia é algo que atraia toda a família, e também há possibilidade de franquear toda a produção, pensando em modelo de quiosque em shopping.”

Com tantos planos de desenvolvimento sendo colocados no papel, as dicas do consultor Márcio lavelberg, da Blue Numbers, para empreendedores como o criador da Rabisquedo envolvem ter clareza a respeito do tamanho que se pretende atingir e saber quais são os mercados com potencial mais expressivo. “Todo negócio deveria partir de um plano e a fase de expansão não é diferente. É preciso saber quais cidades se pretende alcançar, se será o primeiro em uma região específica, em capitais, e ter um padrão dos serviços”, orienta. “Também é necessário saber a estrutura adequada para controlar tudo isso. Não é mais difícil no setor artesanal, desde que haja planejamento, treinamento, análise de custos e clareza sobre como o produto será fornecido para atender a uma demanda, certamente, bem maior.”

Com produtos semipersonalizados, outra opção estudada pelo dono da Rabisquedo é de uma franquia móvel, que permitiria a realização de oficinas em qualquer lugar com facilidade. “A criança montaria seu próprio brinquedo encaixando as peças. O problema de crescer nesse ramo é a escala, porque cada produto é único, exclusivo, envolve sentimento. Não queremos uma produção em escala e esse está sendo o grande desafio”, comenta o empreendedor, destacando que 2014 será para a empresa um ano de laboratório dos mais variados formatos de franquias.