Marília Almeida – iG São – 06/12/2013
Empresários e associações do setor de bares e restaurantes e também grandes redes de franquias se armam para acompanhar de forma crítica a regulamentação da comida de rua em barracas, carrinhos de mão e veículos na cidade de São Paulo, que agora segue para sanção do prefeito Fernando Haddad (PT).
Há receio de como o projeto, caso sancionado pelo prefeito, será executado. Os empresários cobram fiscalização rígida sobre questões como higiene e qualidade dos alimentos, que também esbarram em locais permitidos, pagamento impostos e em uma potencial concorrência desleal.
Robinson Shiba, presidente do Grupo Trendfoods, que reúne as marcas Gendai e China in Box, é um deles. Ele conta que vem acompanhando de perto o trâmite do projeto na Prefeitura, e é enfático. “Se for para fazer, tem que ser direito.”
O empresário explica que os food trucks (carros que vendem alimentos) nos Estados Unidos têm geladeira, gerador de energia, preparação para receber descartes (lixo e esgoto), ventilação e acomodação correta dos alimentos e funcionários. “Não é apenas uma caixa com gelo.”
Shiba desafia: caso haja regra clara, o empresário se propõe a entrar no mercado, e ainda criar um modelo para os caminhões que vendem comida. “Eu posso colocar 100 caminhões de porte pequeno a médio na rua. E montar uma loja na caçamba. Porque só assim que dá para fazer as coisas da maneira certa”. Shiba estima que o veículo adequado para a atividade tenha preço de R$ 300 mil.
Shiba defende seu território. Isso porque a regulamentação, hoje válida apenas para o cachorro quente e o pastel de feira, deve ser estendida para outros tipos de comida, como a chinesa, japonesa e italiana. “A comida japonesa virou pizza em São Paulo. Imagina quantos carrinhos vão vender temakis? Os alimentos são crus, e podem trazer problemas aos consumidores caso sejam mal-acondicionados.”
O dono das redes Gendai e China in Box levantou a voz, mas ele aponta que outras redes de franquias, como Giraffas, Spoleto, McDonald’s, Bob’s e Burger King estariam igualmente preocupadas com o projeto. Procurado, o Giraffas disse que não comenta o assunto. O McDonald’s aponta que esta é uma questão que deve ser tratada por associações do setor. O Bob’s nega que esteja cobrando algum tipo de esclarecimento ao governo de São Paulo.
Percival Maricato, diretor jurídico da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes de São Paulo (Abrasel-SP), teme que a coisa “desande”. “Na própria justificativa do projeto, o vereador Andrea Matarazzo [PSDB] reconhece que hoje não há controle. Se multiplicar esse número, como o Estado vai controlar? Sabemos que há carência de fiscais”.
Maricato também acredita que a regulamentação pode provocar evasão fiscal e concorrência desleal. “Os restaurantes pagam aluguéis caros, mantêm banheiros e prestam serviços pagando impostos. Será que os carrinhos vão ter a parafernália da Nota fiscal Paulista e freezer de determinado tipo?”, questiona.
A associação defende que os carros sejam restritos a locais onde não haja opção gastronômica ou eventos, de preferência em locais fechados, como os que já acontecem na cidade, como a Feirinha Gastronômica e O Mercado, que reúnem barracas com comida de rua mais sofisticada.
O setor de bares e restaurantes deve fechar o ano com déficit de vendas. O maior rigor da Lei Seca na cidade teve impacto sobre o segmento. “Parece que os vereadores só lembram de nós na hora de colocar mais ônus e dificuldades”, lamenta Maricato.
João Baptista Júnior, coordenador do Comitê de Alimentação da Associação Brasileira de Franquias (ABF), declara que a grande maioria dos associados vê a formalização como positiva, mas defende a competição justa e reforça as questões citadas por Maricato. “Hoje, para uma loja ter alvará é uma dificuldade. E a Vigilância Sanitária exige uma série de reformas nos banheiros. Vai chegar alguém na frente sem realizar investimento nenhum?”.
“Aí o pessoal chama o Alex Atala [chef do D.O.M que defende a comida de rua], mas ele não é conhecedor profundo do que acontece nos estabelecimentos menores. Ele faz alta gastronomia. Só terá gente como o Alex Atala na rua? Sabemos que não é bem assim”, diz Maricato.
Por outro lado, Baptista e seus associados vê o mercado como uma grande oportunidade, e não descarta a ida de franquias para as ruas.
Outro lado
O empreendedor Rolando Massinha já virou uma celebridade. Após ser considerado como referência pelo vereador Andrea Matarazzo, autor do projeto de regulamentação, aproveita o tema e a moda da comida de rua na cidade.
E já pensa grande. Neste domingo (8), irá inaugurar o Rolando Churrinho e o Rolando Doguinho, com linguiça, creme de gorgonzola e gengibre. E em janeiro, se ninguém abrir primeiro, promete montar o Rolando Thai, de comida tailandesa.
Hoje o empresário já tem cinco kombis e considera incoerente as grandes redes mencionarem concorrência. “Eu tenho uma conduta. Não paro na frente de uma cantina italiana vendendo massa. Acho desonesto. Mas pararia na frente de um bar. Não vejo problema, pois não posso vender bebida alcóolica.”
Rolando acredita que existe espaço para todos na cidade. “Estou em uma avenida, a Sumaré {zona oeste da capital paulista], que tem uma padaria, uma lanchonete, dois bares. E eu vendo massa. Sou mais um, e não alguém que incomoda”. E decreta: “Só não ganha quem não tem competência.”
Sobre a possibilidade de grandes redes disputarem o mercado, Rolando acha que muitos vendedores de comidas na rua optam pelo caminho porque não têm recursos financeiros para abrir um restaurante ou bar. “Não tem razão para o grande querer abraçar o espaço dos pequenos.”
O empresário defende que os empreendedores devam abrir empresa, pagar honorários aos funcionários, e que tenha contador. “No final, será uma micro empresa”. Ele garante que se preocupa com a limpeza e qualidade dos alimentos.
Josué, 40 anos, vendedor informal de açaí na zona sul da cidade, trabalha na rua há oito anos e está disposto a pagar uma taxa pelo seu trabalho.
Ele se preocupa com uma possível restrição de locais. E também confessa que a limpeza “não é 100%”. “Mas se a Prefeitura me deixasse, montava uma estrutura no meu carro e teria como ter mais recursos.”
Mas o microempresário se espanta com a afirmação de que é uma concorrência às redes. “Quem compra comigo não pode comprar em um restaurante. Tem gente sem frescura também, mas a grande maioria não pode comprar.”
O vendedor de açaí conta que fiscalização “tem sempre” e que já perdeu seus produtos sete vezes. Mas segue trabalhando porque os fiscais são insuficientes. Sem formação, conta, o carrinho complementa a renda que ganha com a venda de guarda chuvas na rua, quando fica “um mês sem chover”.