Correio Braziliense – Deco Bancillon – 28/09
A recessão que atinge parte do país não é motivo de preocupação aos empresários que migraram dos centros urbanos para o interior. Atraídos pela promessa de lucros fartos e custos reduzidos, eles enxergaram oportunidades de negócio em cidades de até 100 mil habitantes. Foram atraídos pelos preços baixos dos imóveis, pela mão de obra farta e barata e pela renda impulsionada pelo salário mínimo, que tem subido muito acima da inflação. A aposta rendeu frutos. “Hoje, uma franquia aberta no interior gera lucros em média 15% maiores do que uma mesma loja instalada numa capital”, diz o vice-presidente da Associação Brasileira de Franchising (ABF), Gustavo Schifino.
Não são só as franquias que proliferam nas cidades de pequeno e médio portes. Com faturamento anual de R$ 4,4 bilhões, o grupo de farmácias Pague Menos, o segundo do país, tem como meta abrir cerca de 300 lojas até 2017. A maior parte delas em cidades de até 60 mil habitantes. O dono da rede, o cearense Francisco Deus- mar Queirós, recorda que, até recentemente, evitava localidades com menos de 100 mil habitantes. Mudou o foco diante do baixo crescimento econômico das capitais. “Hoje, nosso plano de expansão está 100% focado no interior”, diz. Trata-se de uma aposta ousada, mas lucrativa. A rede faturou 15% a mais em 2013. “Somos o único grupo farmacêutico com pontos de venda nas 27 unidades da Federação”, frisa Queirós. Este ano, a projeção é ampliar os resultados em 18%, e, em 2015, em mais 20%. Se os ventos soprarem a favor, a Pague Menos pretende desbravar novas fronteiras, desta vez na Bolsa de Valores de São Paulo.
Aventado em 2012, o plano de lançar ações da empresa (IPO, na sigla em inglês) e levantar R$ 1 bilhão segue firme, apesar do fraco avanço do Produto Interno Bruto (PIB) e do freio de mão puxado do mercado, devido às eleições.
Ganhos superam os de muitas capitais
Parte considerável da decisão de migrar para o interior se deve a custos elevados para locação de espaços comerciais nas capitais. “O Brasil viveu uma onda de excesso de estímulo ao mercado imobiliário, que resultou em preços extremamente altos nas grandes cidades”, justifica o estrategista-chefe do banco Mizuho, Luciano Rostagno. “A opção pelo interior é, em grande medida, uma busca por custos mais baixo”, assinala.
A Associação Brasileira de Franchising (ABF) calcula em 30% o desconto médio do metro quadrado para locação em localidades afastadas dos grandes centros urbanos. É uma diferença que, muitas vezes, pode determinar o sucesso ou o fracasso de um negócio. “Devido ao baixo custo de aluguel, lojas no interior, muitas vezes, conseguem faturar até mais do que as de capital”, diz Roberta Damasceno, gerente da rede Subway para o país. “Por isso, nossa estratégia de expansão é baseada em cidades de menor porte. A princípio, a meta era abrir lojas em localidades de pelo menos 100 mil habitantes. Mas mudamos essa exigência porque nos demos conta de que há um filão pouco explorado no interior. Hoje, temos unidades em lugares de 40 mil habitantes, principalmente no Nordeste e no interior de São Paulo”, conta.
A rede de sanduíches não está sozinha nessa empreitada. “Praticamente todas as marcas que operam na indústria de franchising estão olhando para esse fenômeno da interiorização. É como se as capitais estivessem chegando a um limite de exposição da marca. Então, a saída é buscar novas frentes de negócios”, dispara Gustavo Schifino, vice-presidente da ABF. Hoje, todos os municípios acima de 40 mil habitantes possuem ao menos uma franquia em funcionamento.
Shoppings
O grupo catarinense de lojas de departamento Havan tem concentrado a atuação em cidades médias, entre 150 mil e 300 mil habitantes. Em 2013, investiu R$ 175 milhões em cinco lojas. Dessas, só uma em capital, Cuiabá. Este ano, já foram cerca de R$ 400 milhões, para construir 10 lojas. Apenas três em capitais: Palmas, no Tocantins; Porto Velho, em Rondônia; e Campo Grande, no Mato Grosso do Sul. Todas as outras foram instaladas em cidades médias, como Valparaíso de Goiás, na divisa com o Distrito Federal.
Dados da Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce) mostram que a expansão do setor está calcada no interior. A região Norte, por exemplo, que conta hoje com 21 unidades, deve receber outras cinco em 2014. Boa parte em cidades de até 100 mil habitantes, como Paragominas, no Pará, com 97 mil. O mesmo ocorre na região Nordeste, onde estão em operação 68 shopping centers, e cuja previsão para este ano é inaugurar outros sete. Um deles em Açailândia, Maranhão, com 104 mil moradores.
Professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o economista José Luis Oreiro diz que os baixos preços dos imóveis para locação justificam apenas parte da decisão de quem apostou no interior. Pesam, também, mão de obra ainda farta e renda crescente da população. “Se você está falando do interior de Goiás, do Mato Grosso ou do Paraná, o que determina essa expansão é o agronegócio, o setor mais dinâmico da economia”, afirma.
Qualificação
Em regiões como Norte e Nordeste, os programas sociais ainda constituem boa parte das rendas disponíveis para o consumo. “Como o Bolsa Família e o salário mínimo são reajustados todos os anos, e os maiores beneficiários dessas políticas estão nessas regiões, o consumo, nesses locais, ainda está longe de cessar”, justifica Oreiro.
Há, porém, um limitador natural à expansão das grandes redes ao interior do país: a qualificação da mão de obra. “É verdade que a renda nesses locais cresce bem mais forte que a das capitais”, assinala o economista chefe da Boa Vista Serviços, Flávio Calife, lembrando que o interior não é um eldorado em meio à desaceleração econômica dos centros urbanos. “Segmentos que exigem profissionais mais bem preparados certamente terão problemas para preencher as vagas, como a indústria e os serviços financeiros.”
O economista ainda adverte: a aposta de migrar para o interior é passageira e pode resultar em perda de oportunidades, quando a economia voltar aos trilhos do crescimento sustentado. “Às vezes, esses mercados podem crescer mais. Mas é cíclico. Se o país voltar a avançar mais fortemente, certamente as capitais voltarão para o centro das atenções das empresas”, diz. (DB)