Diário do Comércio – Karina Lignelli – 27/04
Esqueça o petróleo jorrando: o varejo de moda é a nova fonte de dinheiro da Arábia Saudita – pelo menos para o Fawaz A.Alhokair Co. que, após mais de 25 anos de atividade, é considerado o “maior grupo de franqueados do mundo”. Com 12 mil empregados e 550 mil m2 de área ocupada por lojas, a companhia faturou US$ 1,5 bilhão e lucrou 14% em 2014.
Criado pelos irmãos Abdulaziz Alhokair em 1989, o grupo, que começou com duas lojas de roupa masculina, hoje administra mais de 2,1 mil unidades franqueadas de 84 marcas voltadas a um público-alvo essencialmente de classe média. Como exemplos, a inglesa MarksSpencer, as norte-americanas GAP e Banana Republic e a espanhola Zara, só para citar as mais conhecidas.
O curioso é que, ao contrário da maioria das empresas, que procuram se internacionalizar em grandes mercados, as lojas do grupo se espalham por 16 países sem tradição no varejo: do mundo árabe – de longe, o seu maior mercado – à região do Cáucaso, do Oriente Médio e norte da África à Ásia Central. Mais recentemente, marca presença também em Cuba, Peru, Guatemala e El Salvador.
“É uma estratégia com foco desbravador, já que todos esses mercados são virgens no varejo mas têm enorme potencial de crescimento”, diz Isak Halfon, um simpático e bem-humorado judeu sefaradita da Turquia que é vice-presidente de expansão internacional do grupo.
Fluente em um português mesclado de expressões em inglês – morou no Rio de Janeiro por 13 anos, há mais de 50 anos- , ele apresentou os negócios que representa durante o 2º Congresso Internacional de Franchising da ABF.
O modo de se expandir e fazer (muito) dinheiro a custo mínimo, ou em alguns casos, quase zero como franqueados, fez com que o Fawaz Alhokair diversificasse as atividades. Abriu capital em 2006, e depois entrou para o ramo imobiliário e para a área de construção e gestão de shoppings.
Essa também é outra estratégia para diminuir consideravelmente os custos de ocupação, ou até conseguir negociações mais vantajosas no aluguel de lojas. Em outubro de 2014, o grupo tinha 13 centros de compras só na Arábia Saudita, e planeja abrir mais sete em três anos, em outros países.
Em 2012 e 2013, o grupo acabou se rendendo ao mercado norte-americano, onde abriu várias unidades franqueadas. Mas sem sucesso: segundo o executivo, os EUA são um mercado muito bom e muito grande, mas só para as marcas locais.
“Para as demais, não é fácil entrar. Nós fechamos várias unidades franqueadas e ficamos só com uma loja própria na região de Nova York (com a marca Mango)”, conta, lembrando que, só nesses dois anos o grupo não registrou crescimento tão alto.
Agora, a companhia opera também do outro lado, já que passou a franquear a marca de moda hispano-lusa Suite Blanco e a inglesa Models Own, de maquiagem e esmalteria, ambas adquiridas no fim de 2014. “Somos novos nisso, então vamos trazer gente deles para nos ajudar.”
E no Brasil e sua nova classe média, que está consumindo menos mas não deixa de comprar, há interesse? Para exportar alguma marca como franqueado, pode ser.
Já para entrar aqui… Para Halfon, o país é muito voltado para o mercado interno, e as barreiras alfandegárias dificultam a entrada de empresas estrangeiras. “Por enquanto, não está na nossa rota. Mas a expansão continua, então quem sabe?” A seguir, os principais trechos da entrevista:
Como é fazer negócios de varejo na Arábia Saudita?
O mundo árabe não tinha marca nenhuma. Então quisemos aproveitar marcas inglesas, espanholas e italianas para abrir mercado em um país que tem muito dinheiro e potencial de venda. Desculpe por dizer isso, mas lá a mulher não tem nada mais para fazer. Não pode trabalhar, não pode dirigir, não tem cinema… Só pode comprar para ficar bonita para o marido e as amigas. Então o nível de consumo é muito alto. Pouco a pouco, fomos aumentando as lojas em cada mercado não só no franchising, mas na área imobiliária e de empreendimentos. Fora que lá é mais fácil trabalhar e abrir empresa, não tem imposto nem burocracia. Só não posso abrir como estrangeiro: têm que ser com sócio árabe.
Quais são os desafios de operar negócios com formatos diferentes, já que cada rede de franquia tem seu padrão, seu tamanho, seu modelo?…
O maior desafio é encontrar o parceiro adequado para cada lugar em que se vai entrar com as marcas. E especialmente para isso, tem que ser pessoas que são do país de origem, que ensinem como é a cultura e a filosofia deles para operar dentro do nosso mercado. Estamos fazendo isso com a Suite Blanco, na Venezuela e na Indonésia, onde vamos começar a franquear. Mas continuaremos com essa maneira de abrir mais mercados e expandir com custo zero ou mínimo como franqueados. Porque o grupo decidiu entrar para o segmento de shoppings?
Em 2009, decidimos comprar empresas de outros países do nosso círculo, como Arábia, Jordânia, Egito… Tínhamos uma estratégia de crescimento nos países por master-licenças (compra de unidades de master-franqueados, ou seja, que têm várias unidades de uma ou mais bandeiras de redes), para transformar em unidades próprias. Compramos no Azerbaijão, Uzbequistão, Armênia e Geórgia. A ideia foi levar marcas mais interessantes para locais mais virgens em varejo, mas com enorme potencial de crescimento.
Porém, entendemos que não há franchising sem centros comerciais, então vimos uma boa oportunidade de comprar terrenos para transformar em shoppings. Até outubro de 2014, tínhamos 13 abertos, com 70 mil m2 de ABL (área bruta locável). Planejamos abrir mais sete lojas em três anos. Acabamos de abrir um em abril, mas ainda temos muitos malls (shoppings) para inaugurar.
Qual o investimento por shopping, e qual a vantagem disso para o negócio de vocês?
Não sei muito bem, em torno de US$ 200, 300 milhões… Mas ocupamos 80% dos espaço com nossas marcas, ou seja, não temos custo de ocupação nem de aluguel. Pegamos boa parte do primeiro piso para nós, e para quem quer entrar podemos negociar preços de aluguel melhores, de preferência sempre com master-franqueados. E quando alugamos, começamos a ganhar dinheiro.
A crise global ainda atrapalha a expansão do grupo em alguns países?
A crise ajuda no desenvolvimento. Sempre aproveitamos para entrar em países onde podemos crescer, como os da América do Sul, Central, Ásia… Agora vamos para a África. Visualizamos nesses lugares oportunidade compra de imóveis para investimento. E a desvalorização cambial sempre facilita a internacionalização, pois dá para achar alugueis mais baratos e lugares para se expandir.
Qual é o critério de avaliação para adquirir uma marca?
É preciso ter um parceiro local que facilite as coisas, mas tem marcas que obrigam a gente a trabalhar com alguém deles para entrar em algum mercado. Quando eu estava na Mango (marca espanhola de moda e acessórios) aconteceu isso: uma pessoa de fora teve que ir para a Arábia cuidar do negócio e ensinar para os outros funcionários, que geralmente são de outros países. Os árabes não gostam muito de trabalhar: metade não trabalha porque é mulher e não pode. Sobram os homens, e fica muito limitado, então temos que importar mão de obra.
Há alguma marca brasileira com interesse em exportar por meio de vocês?
Estamos conversando com o Cláudio Bobrow, da Puket (marca de pijamas e acessórios do grupo Malwee), que é uma marca muito interessante. Gostaríamos de levá-la com exclusividade para países como Arábia e Jordânia. Mas também para a Geórgia, Armênia, Cazaquistão.
Mas vale fazer negócios em uma região que ainda pode sofrer influência dos conflitos entre Ucrânia e Rússia?
A Ucrânia está mal mesmo, mas o resto dos países não. Eles estão crescendo muito, têm petróleo… Todos ainda são muito “russófonos” (falam em russo, mas não abrem mão da nacionalidade), já que foram dominados pela antiga URSS por mais de sessenta anos. Mas agora estão abrindo seu mercado, que no momento está dominado por marcas europeias e norte-americanas.
Há outros países onde vocês têm interesse de entrar?
Agora, estamos entrando já como franqueadores com a Suite Blanco em El Salvador, Guatemala e Peru. Logo depois vamos abrir em Cuba, na Moldávia e na Bulgária, onde tem um monte de ex-comunistas querendo comprar!
E o Brasil, está na rota de interesse do grupo?
O Brasil está um pouco distante para nós. É um país tão grande, mas não dá bola para exportação. Acho que ainda há poucas marcas lá fora. É mais futebol, Gisele (Bündchen) e Havaianas. Poderia ser mais exportável. O mercado interno é tão grande que ninguém se preocupa com isso. Fui ao (shopping) Morumbi, que é muito bonito, mas o tráfego de marcas estrangeiras se resume à Zara e Forever 21. Fora as barreiras alfandegárias, que dificultam a vinda de empresas estrangeiras. Por enquanto, não está na nossa rota, não a curto prazo. Mas a expansão continua, então quem sabe?
Quais as perspectivas do grupo para os próximos anos?
De continuar a abrir lojas em países menos experientes em varejo, levando sempre boas marcas. Só no ano passado, abrimos 364 lojas, quase uma por dia. Mas sempre entramos com uma nova marca no mercado árabe antes pois, como eu disse, é fácil de trabalhar, fazer negócios e ganhar dinheiro. Se for bem em nosso país, é fácil exportar. Se não der certo, nem vale a pena mexer.