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Jogo de gigantes

Revista PEGN – Felipe Datt e Nelson Provazi – 10/11

Saiba como o movimento de aquisições está transformando o universo das franquias e entenda como essas trocas de poder afetam a vida dos franqueados

Em setembro de 2014, o grupo J. Alves anunciou a aquisição da Montana Express, marca de grelhados fundada pela dupla Chitãozinho e Xororó. Um mês antes, a franquia de produtos naturais Mundo Verde havia sido vendida para o empresário Carlos Wizard Martins que, em janeiro, cedera o Grupo Multi para o grupo britânico de educação Pearson. No ano anterior, dois outros negócios haviam agitado o mercado: a compra da Brigaderia pela Cacau Show e a aquisição de 33% das ações da Amor aos Pedaços pelo fundo de investimento Mercatto.

A dança das cadeiras acima é apenas uma amostra de um movimento que ganhou força nos últimos dois anos: a troca de comando e a chegada de novos parceiros nas redes de franquias brasileiras.

Entusiasmados com a saúde financeira do setor que teve um crescimento de 11,9% entre 2012 e 2013 -, empresários e fundos de investimentos passaram a apostar na compra (total ou parcial) de redes de franquias. “A aquisição permite um crescimento mais rápido”, diz Ricardo Alves, presidente da holding J. Alves. Com a compra da Montana Express e da Montana Steaks, em setembro, o grupo foi de 130 para 230 unidades. “Em uma expansão orgânica, demoraria mais tempo para atingir esse número.” 0 incremento das aquisições atinge em cheio um player sem qualquer tipo de poder nessa negociação: o franqueado. Na maioria dos casos, ele é o último a ser informado sobre a venda da rede ou a chegada de um sócio. O contrato padrão traz cláusulas que permitem à franqueadora passar a empresa sem consultar os donos das unidades. “Nessa situação, é comum o franqueado se sentir ignorado”, afirma Luciana Morse, sócia do Morse Advogados Associados. “Ou pior: ele sente que está valorizando o boi do vizinho, sem participação nos ganhos.”

O anúncio da venda costuma provocar receios dentro da rede. Isso acontece, em parte, porque a relação entre franqueador e franqueado está na base do franchising. “Compro uma franquia porque confio na capacidade do franqueador. Ele me escolhe porque tenho o perfil adequado. Com um terceiro, a relação pode ficar impessoal”, diz Melitha Novoa Prado, sócia do Tardioli Lima e Novoa Prado Advogados. No momento da aquisição, dizem os especialistas, transparência é fundamental. “0 comprador tem de explicar seus planos de maneira profissional, mostrando o que vai mudar e como vai acontecer. Afinal, contratos de franquia não são eternos. Se o franqueado não vê segurança na nova estratégia, acaba saindo”, afirma a advogada Andréa Oricchio Kirsh, sócia do Viseu Advogados.

Em outubro do ano passado, os franqueados da Chilli Beans foram surpreendidos com a notícia de que a Gávea Investimentos havia adquirido 29,82% da varejista de óculos. Para acalmar os ânimos, Caito Maia, fundador da marca, fez uma reunião com os donos das unidades. “Houve insegurança, sim, mas nos posicionamos de um jeito forte para não ficar a sensação de que existia uma nova gestão”, diz. A estratégia surtiu o efeito desejado. “O Caito nos tranqüilizou, dizendo que continuaria no comando e que o parceiro apenas valorizaria os negócios”, afirma Lázaro Mansur, 46 anos, dono de 36 unidades. “Para mim, a mudança foi positiva. Senti que a rede passou a se preocupar mais com a saúde financeira dos franqueados.”

Na visão dos especialistas, a chegada de novos donos ou parceiros pode ser benéfica, tanto para a rede quanto para o empreendedor. O franqueadorpode ganhar escala, atingir mercados em que não atuava e elevar o poder de barganha com os fornecedores, que passam a atender uma rede muito maior. Esse crescimento, por sua vez, tende a se refletir em uma melhor estrutura para as operações, o que traria vantagens para o franqueado. “Teoricamente, se a franquia fatura mais, ela pode estruturar melhor o treinamento e a consultoria para as unidades”, diz André Friedheim, diretor internacional da ABF.

Existem casos, porém, em que o choque de culturas entre a rede e o comprador gera reações negativas. Um ponto especialmente sensível é a imposição da assinatura de novos contratos, que podem trazer cláusulas bem diferentes daquelas dos documentos vigentes. “Este é o movimento que mais causa revolta aos franqueados”, afirma Luciana Morse, da Morse Advogados Associados.

Um exemplo recente é a aquisição da brasileira Empório Body Store pela francesa L’Oréal, por meio de sua franquia britânica The Body Shop, em outubro de 2013. Ao serem informados da venda, a reação dos franqueados foi de comemoração. “Ficamos contentes, ainda mais porque nos disseram que nosso faturamento seria maior. Até que chegou o novo contrato”, conta um dos franqueados da rede, que pediu para não ter seu nome revelado.

O novo acordo previa que os donos das unidades da Empório Body Store teriam de arcar integralmente com a reforma das lojas e a compra dos novos móveis.

O diálogo entre as partes é fundamental para que a nova gestão seja bem recebida. Quando a Mundo Verde foi vendida para o fundo Axxon Group em 2009, o novo CEO da rede, Sérgio Bocayuva, foi o encarregado de colocar em prática os objetivos do fundo. “Buscávamos uma operação de fortalecimento da marca e de crescimento dos franqueados”, diz Bocayuva. O executivo visitou pessoalmente 99% das lojas. “Fizemos uma reunião com o conselho de franqueados e reafirmamos o projeto original”, diz Bocayuva, que ficou no cargo até agosto de 2014, quando a Mundo Verde foi vendida para o empresário Carlos Wizard Martins. Para Antônio José Tomaz, 54 anos, dono de cinco unidades da Mundo Verde, a entrada do fundo foi benéfica. “A gestão passou a ser unificada. E aumentou o número de gestores que auxiliavam os franqueados com informações de mercado”, diz.

As trocas de comando nas franquias devem continuar pelo menos enquanto durar o bom momento do franchising. Transições entre diferentes estilos de gestão podem ser mais ou menos traumáticas, de acordo com a atuação do novo dono. Mas o resultado final também depende da atitude dos franqueados. Pesa nessa conta a maturidade da operação, a saúde financeira da unidade e a relação com o dono antigo. O que é ruim para um pode ser visto como uma melhora para outro. “O franqueado não deve encarar o novo dono como inimigo”, diz Raul Monegaglia, sócio da KBM Advogados. “Ele fez um investimento em um ideal de negócio e não pode colocar tudo a perder. Quem sabe o comprador não pode ajudá-lo a superar antigas mmt deficiências da empresa”.

Mudanças no franchising

Aquisições e aportes movimentaram o setor de franquias nos últimos cinco anos:

Agosto: Axxon Group, gestor de fundos de private equity, adquire 100% da rede de produtos naturais Mundo Verde.

Janeiro: Fundo norteamericano de private equity Carlyle anuncia a compra de 63,6% da CVC Turismo, em negócio avaliado em US$250 milhões.

Novembro: Grupo Multi anuncia aquisição de 100% da rede de idiomas Yázigi, em transação avaliada em R$100 milhões. Foi a quinta aquisição do grupo em 2010.

Março: Fundo Carlyle compra 85% da rede de brinquedos Ri Happy. Três meses depois, o fundo americano compra a concorrente PBKids.

Setembro: Gávea Investimentos compra 29,82% da rede Chilli Beans e passa a ter cadeira no Conselho de Administração.

Setembro: Fundo britânico Actis faz aporte de R$ 135 milhões na rede de escolas de idiomas CNA.