Revista Empreendedor – 19/08 – Raquel Rezende
Mas atitude exige plano de negócios, pesquisas de mercado e estudos sobre hábitos e costumes do país escolhido
Empreender fora do Brasil é um caminho escolhido por muitas franquias. Segundo dados da Associação Brasileira de Franchising (ABF), 4,8% das redes brasileiras – o que corresponde a 121 marcas – possuíam unidades no exterior em 2013. Para algumas delas, esse caminho acontece por conta da expansão natural dos negócios, para outras é mais proposital. Contudo, independente do processo de internacionalização vivido, as marcas devem ter em mente que a franquia terá que começar um novo empreendimento fora do Brasil e isso exige outro plano de negócios, pesquisas de mercado e estudos sobre hábitos e costumes do país escolhido para implantar a franquia.
O diretor da consultoria Vecchi Ancona Inteligência Estratégica, Paulo Ancona Lopez, observa que existe um interesse grande das franquias brasileiras em expandir para o exterior e, segundo ele, isso ocorre num primeiro momento muito mais pela valorização da marca que pode despertar interesse de futuros empreendedores na franquia no Brasil, do que pelos resultados financeiros mais imediatos.
Lopez afirma que, de forma geral, as franquias que foram ao exterior realmente com condições para isso, são aquelas que já se mostravam bastante fortes e profissionalizadas no mercado brasileiro. Essas marcas foram normalmente com escritórios próprios ou suportados por um máster franqueado local com o intuito de realmente fincar o pé em outros mercados, comenta.
Algumas marcas, entretanto, analisa Lopez, aventuraram-se em busca de maior nome, mesmo sem possuir a estrutura e formatação necessária para operar no Brasil. E com os problemas econômicos de muitos países nesses últimos anos, inclusive países que apresentavam economia forte, muitas empresas redirecionaram seus focos no exterior.
Para evitar o risco de investir em um processo de internacionalização que acabará mal sucedido, Lopez chama a atenção para o fato de que, em primeiro lugar, é preciso que a marca esteja muito bem estruturada e formatada no Brasil, com know how não só referente aos produtos e serviços, mas também sobre o seu papel como franqueadora em relação ao suporte que deve prestar aos franqueados. Além disso, é preciso entender a expansão para outro país como sendo um novo negócio, uma vez que se trata de um outro mercado, outros concorrentes, outros costumes e outra legislação, alerta.
O presidente da Associação Brasileira de Franchising do Rio de Janeiro (ABF Rio), Beto Filho, analisa que o processo das marcas se organizarem para buscar novos mercados é uma forma natural de avançar nos negócios. Ele destaca que o Brasil é o terceiro lugar no mundo em quantidade de franquias e as marcas brasileiras estão presentes em mais de 70 países. “O Brasil começa a mostrar sua potencialidade empreendedora no exterior”, avalia.
O sucesso da internacionalização, na opinião do presidente da ABF Rio – que também é presidente do grupo Astral, franquias com atuação no mercado de controle de pragas e vetores urbanos presente em quase 20 estados brasileiros e também em Portugal – está ligado ao fato da marca ter uma estrutura forte no país de origem para apresentar a potencialidade de expandir para outros países.
Não só investimento é necessário. É preciso realizar estudos e pesquisas com o propósito de fazer adaptações nas características mercadológicas e, ainda, gerenciar tudo isso.
“Nos EUA, por exemplo, é necessário ter uma empresa organizada funcionando por pelo menos seis meses antes de efetivar a internacionalização”, comenta Beto Filho. Ele acrescenta ainda que para atuar na Europa, é exigido o registro e patente da marca na comunidade europeia para não correr o risco de ter o nome da rede roubado.
Agora, quando a marca está elaborada e já tem uma gestão consolidada com 20 anos de frachising no Brasil, Beto afirma que a tendência natural é crescer. “A marca O Boticário, com 4 mil lojas no País, não tem mais espaço para crescer, então é natural que busque outros mercados fora do Brasil. Não existe negócio que para, se parar, acaba ou outra empresa passa na sua frente”, enfatiza. Porém, ele alerta que realmente é uma empreitada diferente. Deve-se estar preparado para entrar na cultura de outros países e estudar a abrangência de seus costumes e conceitos para entender seu novo cliente.
Para o presidente da ABF Rio, o momento é oportuno para expandir, pois os EUA apresentam um nível de recuperação grande e a Europa também demonstra que está saindo da crise. Na visão dele, a internacionalização terá a tendência de se fortificar nos próximos anos. “O movimento de internacionalização se iguala a outro movimento que estamos promovendo há um tempo para acordar o mercado do interior do País com o franchising”, considera.
Ele acrescenta que está acontecendo uma reforma do varejo brasileiro através do franchising. “Quando chega uma marca no interior do Norte e Nordeste do Brasil, a presença da marca gera um choque que impacta positivamente o varejo nas cidades”, diz. E, para ele, essa evolução das marcas vai contribuir para o amadurecimento delas e consequente expansão no exterior.
Com experiência de oito anos atuando fora do Brasil, a marca Ornare – especializada em criar produtos únicos e sofisticados, por meio de parcerias com arquitetos e designers – e tem dois showrooms nos EUA, um em Miami e outro em Dallas e planeja expandir.
Entretanto, o CEO da Ornare, Murillo Schattan, conta que o começo da loja no exterior não foi fácil. Ele relembra que a Ornare começou em Miami, pois parecia um lugar mais confortável para começar um negócio fora do Brasil. Mas depois de um ano da loja aberta, aconteceu a crise internacional da construção civil e a empresa passou por três anos de crise. “Depois dos tombos da primeira loja e do início bem difícil, conseguimos vencer várias barreiras, como entender melhor o país e os costumes e depois começou a melhorar”, relata.
Pela experiência vivida, Schattan observa também que, no Brasil, ainda existem muitas barreiras culturais fortes para abrir empresas fora do País e não existe uma política governamental que ajude as empresas a expandir para o exterior. Apesar disso, Schattan explica que a empresa trabalha com três planos de expansão para atingir os mercados do Brasil, EUA e América Latina e aconselha que antes de internacionalizar é muito importante fazer pesquisa de mercado para ver se o produto é viável em relação a vários itens, entre eles, design, qualidade e preço.
O CEO da Ornare fala também que a marca deve ter excelente estrutura de imagem com site e mídias sociais bem coordenados. Deve-se ter em mente que é preciso ter qualidade e diferenciais, pois a marca vai disputar espaço a nível internacional, destaca Schattan.
Inserida em um mercado que apresenta alta demanda, a rede Depyl Action, especializada em depilação, internacionalizou-se de uma maneira diferente. Em vez de traçar um plano de expansão internacional e escolher o país para empreender, foi escolhida por uma empreendedora brasileira que quis levar a marca para a Venezuela.
A proprietária da Depyl Action, que também é diretora da Associação Brasileira de Franchising de Minas Gerais (ABF Minas), Danyelle Van Straten, relata que a franqueada na Venezuela é gaúcha, casada com um mineiro e foi morar em Boa Vista (RR). Lá, pela proximidade com o país vizinho levou o negócio para a Venezuela. “A internacionalização aconteceu de forma natural, pois encontramos a parceira ideal”, analisa Danyelle.
Mesmo assim, a rede mapeou o país e fez pesquisa de mercado para entrar com a marca na Venezuela. “Descobrimos que nossos serviços tinham demanda lá. Pois, praticamente, não existia esse mercado. Além disso, a depilação brasileira é famosa no mundo inteiro e já é chancela de qualidade”, afirma Danyelle. Porém, as adversidades para o negócio funcionar bem ocorreram em outras questões, como no processo de legalização e exportação dos produtos, que foi lento.
Outra marca que começou a atuar fora do País há pouco tempo com a primeira abertura de uma loja nos EUA, em novembro de 2013, é a Vivenda do Camarão, rede especializada em frutos do mar.
A franquia, que acaba de inaugurar a segunda loja em Miami, pretende terminar o ano de 2014 com oito restaurantes no país. E, para o próximo ano, o plano é conquistar 25 unidades em funcionamento. O investimento nas duas primeiras unidades foi de US$ 1,5 milhão e estas, juntas, devem atender cerca de 20 mil pessoas soas por mês.
Rodrigo Perri, sócio-diretor da Vivenda do Camarão, revela que a ideia de internacionalizar a marca surgiu há muitos anos. Em busca de concretizá-la, participou de diversas feiras de franquias internacionais no México, Espanha, Portugal e Estados Unidos para conhecer as particularidades de mercado de cada país e suas demandas.
Conforme Perri, antes de iniciar a internacionalização, a Vivenda do Camarão investiu na qualidade dos produtos. Apenas com uma indústria moderna, com equipamentos e processos que garantissem o maior padrão de qualidade possível aos produtos, a empresa poderia pleitear as certificações internacionais necessárias para atuar fora do Brasil.
“Felizmente, as certificações mais rígidas foram concedidas à Vivenda do Camarão, como a do FDA Americano (Food and Drug Administration) e a Carta de Bruxelas para a Comunidade Econômica Europeia”, conta Perri.
Com esta etapa concluída, a marca começou a realizar pesquisas e levantamentos necessários para minimizar os riscos e otimizar o resultado, buscando entender os costumes dos clientes de cada localidade.
Perri esclarece que todo esse cuidado é extremamente necessário e que o começo é complicado, principalmente por ser uma marca ainda desconhecida no mercado americano. “O americano ainda é um pouco reticente em conhecer novas marcas, novos produtos que fujam do day by day deles. Além disso, a concorrência é acirrada, com uma variedade de ofertas e preços extremamente competitivos”, avalia.
Por isso mesmo que a franquia resolveu escolher a região da Flórida, onde tem muitos brasileiros e latinos frequentando os shoppings. “Somos muito mais abertos para conhecer novidades”, opina.
Na visão do sócio-diretor da Vivenda do Camarão, antes da crise americana era muito difícil encontrar espaço para entrar nos EUA. De acordo com ele, os shoppings não tinham espaço disponível, estavam com ocupação máxima e, exatamente por isso, os preços também estavam altíssimos.
Com a crise americana, o cenário mudou muito. Para ocupar espaços, os empreendedores americanos abriram as portas para novas redes e os preços baixaram. Diante disso, Perri conta que foi possível viabilizar uma parceria com o maior grupo de shopping centers dos Estados Unidos, conquistando um contrato de oito lojas até o início do próximo ano.
Na contramão da boa fase americana, Perri considera que o mercado brasileiro mostra sinais de retração, apontando a diminuição do ritmo de crescimento mantido nos últimos anos pela Vivenda do Camarão. “Já o mercado americano está permitindo que o ritmo de expansão da Vivenda do Camarão seja forte”, enfatiza.
Embora o otimismo esteja mais alto para expandir, Perri aconselha, para quem pensa em se internacionalizar, a buscar um bom parceiro local que tenha todo o conhecimento necessário sobre o mercado regional, fazer pesquisas de mercado sobre o público a ser atingido, entender o geomarketing e estudar o comportamento do consumidor daquele país.