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Empresas nas nuvens descem à terra para crescer

Diário do Comércio – Karina Lignelli – 01/02
 
Por que varejistas bem-sucedidos do comércio eletrônico, como a Staples, especializada em material de escritório, passaram a expandir suas operações com lojas físicas
 
Gigante do comércio eletrônico, a Amazon vai inaugurar até junho, a tempo de aproveitar a próxima temporada do verão americano, sua primeira loja física no coração de Manhattan, em Nova York. Desde que o plano da loja foi revelado, os maiores especialistas de varejo se dedicam a especular que objetivo estratégico se oculta por trás do anúncio.

Por que, afinal, a maior livraria virtual do planeta vai mexer em um modelo de negócio tão espetacularmente bem-sucedido?

Sem erguer uma única vitrine, a Amazon.com obtém um movimento anual de vendas que se aproxima dos US$ 75 bilhões. É, atualmente, a única empresa capaz de fazer sombra ao Walmart, o varejista número 1 no mundo. Para ter uma ideia: uma loja do Supercenter do Walmart comercializa 150 mil itens. A Amazon.com, 200 milhões.

É possível que, mais do que um ponto de venda, Amazon queira plantar em Manhattan uma loja conceito para expor sua marca e uma grande amostra de seus produtos, como suspeita o americano Neil Stern, sócio da consultoria McMillanDoolittle. Mas, como ele próprio lembra, a Amazon não está solitária nesse movimento, também impulsionado por outras grandes marcas de tecnologia.

“Será que Microsoft, Samsung, Apple, Google e a Amazon, representam o futuro do brick-and-mortar do varejo?”, questiona Stern, ao se referir à expressão que se traduz por lojas físicas.
No próspero segmento do comércio eletrônico, que movimentou US$ 61 bilhões no mercado americano somente nos últimos feriados de 2014 (Dia de Ação de Graças, Black Friday e Natal), a Amazon sinalizar que pretende também trilhar a rota de lojas físicas é algo que dá o que pensar.

O fato é que em toda parte, e o Brasil não é exceção, surgem experiências semelhantes: empresas nascidas na nuvem cibernética descem à terra para um encontro face a face com a clientela.
“É um movimento em linha com o conceito de omnichannel, a integração de canais de venda para atender o consumidor onde ele estiver”, afirma Marcos Gouvêa de Souza, da consultoria GSMD. “Em um mercado com crescimento constante da atividade digital de comércio e relacionamento, essa é uma forma de oferecer alternativas para o cliente escolher o canal que mais lhe convém.”

A Meu Amigo Pet, que comercializa produtos e serviços voltados para animais de estimação, a Livo Eyewear, uma marca premium de óculos e a Oppa, que produz móveis e acessórios para a casa com design diferenciado perfilham-se entre as empresas virtuais que passaram recentemente a operar também no varejo físico. 

No caso da Meu Amigo Pet, a transição se deu por interesse em capilaridade e fortalecimento de marca junto ao consumidor online. “Também quisemos ganhar volume e poder de barganha junto ao fornecedor”, diz Daniel Nepomuceno, sócio-fundador e membro do conselho. Criado em 2008, o site entrou pelo caminho inverso em 2011, ao inaugurar duas lojas próprias.

Em seguida, aderiu ao sistema de franquias – foi a primeira do segmento pet a figurar no anuário da ABF (Associação Brasileira de Franchising), em 2013. “Foi uma espécie de ‘avenida aberta’. Nosso faturamento dobrou”, diz Nepomuceno sem revelar cifras. “Hoje, além do portal eletrônico, operamos com 15 lojas físicas, e a perspectiva de aumentar o número de unidades em 50%.” Detalhe: o varejo online ainda contribui com 60% das vendas.

A empresa considera o site mais uma loja da rede, com a vantagem de vender dez vezes mais em volumes que as demais e proporciona comodidade nas compras dos clientes.
“Ocorre que 90% do faturamento do varejo pet é controlado por cinco grandes redes e suas megalojas”, diz. “Nossa meta é nos tornarmos também protagonista desse mercado com lojas de bairro.”

Saltando obstáculos
 
Outro fator que compele empresas virtuais a diversificar suas operações no varejo físico é a tentativa de vencer a barreira da confiabilidade, uma vez que muitos consumidores mantêm reservas em relação a compras online.

“Como o cliente não se sentia tão seguro, passamos a oferecer benefícios como 30 dias para devolução de óculos e serviço de bike que entrega cinco modelos à escolha para que pudesse experimentar ou comprar”, diz Artur Blaj, diretor executivo da Livo. “Ao lado disso, passamos a expor os produtos em showrooms de parceiros.”

Como a experiência do showroom foi bem-sucedida, no final de 2013 um showroom próprio da marca foi aberto rua Oscar Freire, um ponto elegante de São Paulo. Seguiram-se um quiosque no shopping Iguatemi, uma loja em Pinheiros e outra no Barra Shopping, no Rio de Janeiro.

Em 2013, a marca faturou R$ 1,3 milhão. Agora, projeta dobrar o número de unidades e crescer significativamente em 2015. “Estudamos novas praças para ampliar o modelo de lojas próprias. Mas a ideia é também investir fortemente em sistemas para tornar o site mais interativo”, diz Blaj. 

Instalar showrooms para aproximar o cliente e gerar confiabilidade na loja virtual foi também a opção da Oppa, uma marca de estilo jovem. “Quisemos trazê-lo para mais perto e acabar com preconceito da compra online”, afirma o gerente Gabriel Hamsi.

A Oppa, que recebeu investimentos dos fundos Monashees Capital e Kaszek Ventures, conta com sete showrooms espalhados por São Paulo, Rio de Janeiro e a Brasília. Para entrar em novos mercados, a empresa aderiu ao sistema de franquias.

Para Gouvêa de Souza, da GSMD, fazer a transição para o varejo físico é uma estratégia de expansão ambiciosa e complexa, por envolver franqueados. Mais fácil é a criação de espaços para expor o sortimento de produtos, caso do showroom.

“É cada vez mais é frequente o consumidor digital seguir ir até a loja física para ver os produtos, e depois fazer suas compras pela internet”, afirma. “Uma concepção única, que incorpore elementos da loja física em uma proposta digital parece ser o mais indicado”.

Também as empresas que miram o segmento corporativo vislumbram a extensão para o varejo físico. É este o caso da americana Staples, maior varejista virtual de material de escritório.

Em setembro passado, a Staples, que opera no país desde 2005, instalou uma loja temporária, conhecida como pop-up store no shopping Market Place, na zona sul paulistana, e planeja inaugurar lojas físicas.

O executivo Leo Piccioli, CEO para a América Latina, prevê que essa estratégia ampliará em 30% a carteira de pequenas e médias empresas, estimada em 14 mil clientes cadastrados na pop-up.

Desenhando o futuro

Como fazer a transição do varejo virtual para o físico sem sustos? Entre os especialistas, as opiniões se dividem. Para o consultor Sergio Simonetti, da Ânima Inteligência Competitiva, há espaço para os dois tipos de operação. “Mas, para o pequeno varejista, só há vantagem em segmentos que ofereçam verdadeira oportunidade de expansão.”

Um empecilho, segundo ele, é a complexidade e os custos de manter uma loja aberta. Para superar situações conflitivas entre as duas modalidades de varejo, empresários americanos descobriram ser bem mais vantajoso firmar pactos entre os dois canais.

A Long´s, tradicional rede de joalherias de Boston, passou a entregar anéis de noivado para clientes que fizeram encomendas no site da fabricante Ritani, recebendo comissões em contrapartida. Dessa maneira, ampliou sua força competitiva em relação a concorrentes de maior porte.

Sites especializados na venda de flores armaram parcerias com floriculturas locais para ampliar sua capacidade de entrega. No fundo, o que estimula as parcerias é a possibilidade de deixar que o cliente escolha a maneira como prefere comprar.

“Muitas empresas perceberam que estar ausente em um ou outro canal cria um descompasso na experiência de compra”, afirma o consultor Adriano Amui, presidente da Invent Conhecimento Estratégico.

Ele vê neste movimento uma ampliação do formato de atendimento, com riscos envolvidos pela dificuldade de planejar em um mercado sujeito a solavancos.

Como o varejo físico é diferente do mundo digital, avalia Gouvêa de Souza, a migração depende da capacidade de incorporar competências e criar pontos de venda que traduzam a linguagem do varejo digital no ambiente da loja – o que pressupõe lojas com interatividade e informação.

“São todos projetos pilotos, mas que demonstram que chegamos ao que podemos chamar de omni-era”, afirma. “É um processo tão grande de transformação do varejo que vai reconfigurar tudo que o envolve. Principalmente quando a geração de consumidores digitais for predominante.”