Construa pontes, não muros

Construa pontes, não muros

Franqueadoras trocam aprendizados, ideias e melhores práticas entre si para acelerar o crescimento do sistema. Marcas atribuem resultados do setor em 2016 a esse espírito de coletividade

Após o término das mesas-redondas na 16ª Convenção ABF do Franchising, dois franqueadores concorrentes se cumprimentaram e, antes de se despedirem, um fez o convite ao outro: “Venha conhecer a nossa cozinha, te mostro como tudo funciona.

Encontramos um fornecedor muito bom e que tem nos ajudado a economizar em alguns detalhes”. “Claro, assim que chegar em São Paulo, envio um WhatsApp para acertarmos a data”. “Combinado”.

A cena narrada aconteceu no último mês de outubro, na Bahia, durante o encontro anual de líderes do franchising nacional, e ilustra uma característica peculiar do sistema: concorrentes não são inimigos. “Evoluímos muito com essa postura. Percebemos que não só nós, como outras empresas estão em evolução, se desenvolvendo. Hoje o cliente está exigente e vai perceber se a empresa deixou de se aprimorar. Evolução passa por ouvir concorrentes”, explica o fundador da consultoria Enterprise Project and Process Management (E-PPM), Luciano Lugli.

Além dos eventos promovidos pela Associação Brasileira de Franchising (ABF), que já aumentam o leque de networking dos participantes, franqueadores revelaram à reportagem da Revista Franquia & Negócios ABF que estabelecem relações de trocas por meios digitais ou visitas presenciais periódicas.

“Eu acredito que esse relacionamento colaborou para os ­resultados do setor em 2016, mas não foi a curto prazo. Isso vem desde a bonança, o que foi feito hoje foi fomentado nos períodos de antes da crise. Os resultados são colhidos no período de vacas magras”, analisa o sócio da consultoria Y Franquias, ­Eduardo Santinoni.

Rede de compartilhamento
A diretora da Nutty Bavarian, Adriana Auriemo, montou um grupo de conversa com mais de 160 franqueadores, consultores, advogados e até multifranqueados no WhatsApp. O propósito é trocar ideias, dicas, indicações e buscar evolução constante, em conjunto. “Eu sempre gostei muito de aprender com outras redes, já visitei diversas franqueadoras para conversar. Aprendi demais com algumas mais estruturadas e hoje tento devolver isso às mais novas”. Adriana afirma que recebe toda semana algum novo franqueador em busca de dicas e auxílio.

A franqueadora lembra que no início tinha receio de dividir o conteúdo, mas isso foi logo se dissipando. “Quem vai dar certo não é pela informação que vai ter, mas como vai fazer aquilo funcionar. Quanto mais empresas derem certo, mais pessoas estarão empregadas consumindo nossos produtos”, explica.

Crescer juntos
Um dos contatos de Adriana em seu grupo de WhatsApp é o sócio-diretor da rede Mania de Churrasco, Luis Yamanishi. O bom relacionamento sempre ajudou a rede, que não tem ressalvas para dar dicas nem mesmo aos concorrentes mais ferrenhos.

Yamanishi lembra que já trocou de sistema, após visitar as redes Amor aos Pedaços e Gendai e ver soluções mais eficientes. “Todo mundo sai ganhando. Às vezes, o shopping center pode abusar das negociações e sempre trocamos informações para todo mundo evoluir, crescer junto e ter melhor relacionamento com o mercado”, exemplifica.

A construção de pontes no franchising representa um ganho enorme para todo o setor, segundo Santinoni. Redes mais experientes estão abertas a receber e orientar as mais novas, o que acelera o crescimento e potencializa a força do sistema. “Cria um grande atalho. As boas práticas são trocadas, e as que não deram certo, servem de exemplos para que os mesmos erros não sejam cometidos. Gera um espírito cooperativista”, afirma.

Dividindo custos
Lugli acredita que ouvir a concorrência é um dos elos de sucesso de uma marca, e que é possível até mesmo cooperar em projetos. Por exemplo, franquias em locais mais afastados podem estudar o compartilhamento de fornecedores, para conseguirem valores melhores. “A negociação pode acontecer com produtos, insumos e suprimentos mais genéricos, não com itens específicos do negócio, onde é preciso manter a competitividade”, aconselha.

O especialista adianta que a consultoria E-PPM está desenvolvendo um sistema que pode ser aplicado a diversas redes. “Atualmente, cada franqueadora contrata e faz o sistema dentro de casa. Isso é um gasto grande para as franquias. Estamos estudando um único sistema, que atenda a todas. Antes vamos mostrar para os concorrentes e ver o interesse”. Isso diminuiria os custos de implantação de uma franquia, que são altos para a maioria das redes, segundo o especialista.

Benchmark e produtividade
A Casa do Construtor e a Localiza mantêm uma relação bem próxima. As duas redes trabalham com locação – embora de produtos distintos –, e passam por problemas similares. “Em dado momento mudou a Lei de ISS. Ficou fora do escopo da prestação de serviço, não sabíamos como cobrar e a Localiza era uma empresa com mais tempo de mercado. Eles tinham uma fórmula de fazer cobrança através de fatura de locação, essa experiência nos ajudou”, lembra o sócio da Casa do Construtor, Altino Cristofoletti Junior.
A troca foi bilateral. A Localiza foi uma das redes que Cristofoletti Junior já recebeu em sua sede para apresentar a universidade corporativa. “O benchmark não é só entre marcas do mesmo segmento. Aprendemos muito com redes de alimentação, como padronização de loja, melhorias na comunicação visual e de marca. Um segmento muito disputado e que acaba se reinventando”, explica.

Na visão do franquea­dor, aprender com eventuais erros já cometidos por outras redes e evitá-los é a forma menos onerosa de crescer. “Principalmente em épocas de crise, um erro pode ser fatal nessa altura do campeonato. Só tem margem para bons acertos, não há margem para erro”.

A rede sempre valorizou a construção de pontes, tanto nacionais quanto internacionais. Segundo Cristofoletti Junior, desde os primeiros anos, os executivos já viajavam em missões para o exterior. Hoje, a Casa do Construtor participa de, ao menos, três feiras internacionais por ano. “Cada viagem enriquece muito para conhecer o estágio de empresas do mesmo mercado em outros países”, complementa.

Mais fortes
Adriana, da Nutty Bavarian, credita o crescimento do franchising – acima da média de outras indústrias – à construção de pontes entre as redes. “É muito mais barato aprender com quem já fez, do que fazer sozinho”. Segundo ela, mais do que participar de palestras ou ler livros, é importante conversar com quem vivencia a mesma rotina e enfrenta os mesmos problemas, todos os dias. “Quando senta para almoçar com um ­franqueador, vê o que não deu certo na rede dele também, percebe que não está sozinho”.

Para as redes mais novas, os especialistas indicam que é necessário muita atenção sobre “quem ouvir”. No entanto, para isso, é preciso estabelecer filtros, o que só é possível com o tempo. “Assim como estimulamos adolescentes a ter o hábito da leitura: leia tudo, mas dê peso às histórias inspiradoras. Não só dos grandes, existem degraus que eles não passaram, apenas os pequenos”, aconselha Santinoni.

 

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