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A hora e a vez do interior

Revista Gestão Negócios – Angela Miguel e Carolina Fagnani – 30/05
 
Custos operacionais mais baixos, mão de obra barata e demanda reprimida são três dos principais fatores que têm levado empresas a investir no interior dos grandes centros. Será que vale a pena arriscar?
 
O trânsito e a violência crescente nas grandes metrópoles têm provocado uma forte migração de parte da população para municípios do interior, com o objetivo de conquistar um trabalho de ritmo mais tranquilo e melhor qualidade de vida. No entanto, nas últimas duas décadas, o interior das grandes cidades tem atingido um crescimento econômico admirável, graças a setores como o têxtil, o calçadista, o da construção, o da tecnologia e, especialmente, o do agronegócio. No ano passado, o interior do Brasil ultrapassou as regiões metropolitanas na geração de empregos com carteira assinada, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho e Emprego. Em nove estados Pará, Ceará, Pernambuco, Bahia, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul -, o interior criou mais de 340 mil postos formais, enquanto as áreas metropolitanas geraram abaixo, aproximadamente 211 mil empregos.

Seguindo esse movimento, o setor de franquias tem apostado no crescimento do poder aquisitivo da população interiorana, investindo na expansão em direção a essas localidades. Aos poucos, redes conhecidas e consagradas dos centros têm se voltado para municípios com 50 mil, ou mais, habitantes para dar um salto em suas vendas.

Uma série de vantagens atrai esse franqueador que sabe se arriscar com consciência e pretende conquistar uma nova fatia de clientes. Sem dúvida, a mão de obra mais barata e os preços de terrenos e aluguéis mais baixos são grandes atrativos. Conheça a seguir franquias que escolheram o interior como o ponto mais badalado de sua expansão e quais os cuidados ao se enveredar pelos caminhos do interior brasileiro.


Mudanças irreversíveis
 
De acordo com a Associação Brasileira de Franchising (ABF), 20% das franquias estavam no interior do País em 2002. Dez anos depois, esse volume ultrapassou os 40% e tem crescido a cada ano. O interior não é mais um lugar distante de tudo e atrasado. Houve uma mudança no perfil das cidades e dos que ali vivem. Se antes grande parte da população escolhia o interior para buscar paz e tranquilidade, hoje a predominância é de casais recém-formados e bem-sucedidos, jovens em busca de chances profissionais na região e pessoas apaixonadas pela praticidade dos grandes centros, mas que buscam custos menores.

Para o diretor de expansão do interior paulista da ABF e franqueador da rede Água Doce Cachaçaria, Delfino Golfeto, essas regiões se modificaram em aspectos importantes nos últimos anos. “Trabalhamos na noite do interior há mais de 20 anos com a Água Doce e posso dizer que mais do que a mudança no estilo de vida, percebemos que o crescimento econômico das classes C, D e E no interior mudou seu comportamento. Hoje, todos querem aproveitar as coisas boas e as vantagens das grandes cidades, mas com preços menores”, afirma.

Por outro lado, a própria dinâmica dessas cidades interioranas modificou-se, chamando a atenção de franqueadores das metrópoles. Como exemplo, o interior de São Paulo apresentou na última década um crescimento de renda per capita, motivada inicialmente pela expansão de atividades como o agronegócio, seguida por um forte nível de industrialização, o que levou a região a se tornar o maior centro consumidor do País a partir de 2012.

Paralelamente, o governo investiu em processos de privatizações, trazendo empresas privadas para setores-chave da logística, e ofereceu generosos incentivos fiscais municipais, formando um quadro propício para a migração das empresas, como explica o professor do Centro Universitário Senac de Águas de São Pedro, Antônio Carlos Bonfato. “Montadoras, multinacionais e grandes centros distribuidores concentraram grandes investimentos no denominado ‘eixo Anhanguera-Bandeirantes’, pois já entenderam o movimento e programaram sua expansão para o interior.

Nesse momento, cidades de menor porte também passam pelo mesmo processo, acolhendo futuras instalações de empresas de significância, como é o caso de Itirapina e Iracemápolis que receberão as fábricas de duas grandes montadoras. Acaba-se criando uma grande teia de troca de insumos e produtos entre elas, então vemos que esse deslocamento de eixo econômico para o interior é um fenômeno já maturado e irreversível. Todo o cenário está armado para os que buscam novas oportunidades, desde que ofereçam produtos com qualidade e custo-benefício aceitável para o consumidor”, completa o professor.
 

A mudança do perfil dos consumidores no interior foi uma das razões que levou a Demark Administração de Shopping Centers a investir na cidade de Porto Feliz, em São Paulo, com 240 mil habitantes. Em abril, a cidade recebeu seu primeiro shopping center, o Porto Miller Boulevard, com 90 lojas em um espaço de 14 mil metros quadrados. O estabelecimento deve atender a população das cidades de Boituva, Cerquilho, Tietê, Salto e Jumirim e conta com marcas como Subway, Casa do Pão de Queijo, Lojas Americanas, Hering, O Boticário e Pontal Calçados.
 
O shopping deve gerar mais de 800 empregos diretos e fomentar a valorização imobiliária da cidade, segundo o sócio da Demark, André Pinto Dias. “Porto Feliz é a bola da vez na região devido a uma série de transformações econômicas que o município vem passando, merecendo a confiança e os investimentos de empresas de diferentes segmentos, como indústria, serviços, comércio e na área imobiliária. Lojistas e empresários de Porto Feliz e cidades próximas acreditam no incremento econômico e social que o Shopping Porto Miller Boulevard trará, e estamos contando com o empreendedorismo de todos para que possamos caminhar juntos e fazer um centro de compras que se torne, em pouco tempo, uma grande referência para a região”, emenda Dias.
 
Há treze anos à frente da primeira franquia da Seven Idiomas no interior de São Paulo, em Vinhedo, o diretor Flaudemir Matiazzo Júnior assistiu as mudanças que a região tem passado nas últimas décadas. Segundo ele, a principal dificuldade no início foi tornar a marca conhecida entre a população, passar confiabilidade e seriedade nos negócios. Atualmente, a competitividade alta na região faz com que todos tenham que buscar a excelência e os diferenciais no dia a dia para ganhar a atenção da clientela. “No interior ainda existe a preferência de se fazer negócios com conhecidos, os consumidores daqui esperam isso além do bom serviço profissional. Hoje, observo em Vinhedo e na região uma quantidade muito grande de empresas para um número pequeno de habitantes. Isso faz com que nossa busca pelos clientes se torne cada vez mais árdua. São muitas opções, os consumidores estão cada vez mais exigentes e querendo pagar menos”, aponta.
 
Competição acirrada
 
A conquista do interior parece fácil, mas possui uma série de obstáculos. Não basta levar uma marca de grande reconhecimento e esperar que os clientes batam à sua porta ou oferecer um produto de qualidade indiscutível. A clientela interiorana requer uma combinação de preço bom e justo, além de atendimento que se assemelha a uma relação de amigos. O desafio de enfrentar comerciantes locais que conhecem os moradores por nome e sobrenome é importante para o êxito da operação.
 
Para Delfino Golfeto, o atendimento é o principal diferencial que os players locais largam na frente diante das franquias dos grandes centros. “Os consumidores são conservadores, gostam de ser tratados pelo nome, como se estivesse em casa, gostam de criar um relacionamento estreito com os comerciantes. Se a franquia chega ao interior com a mesma postura da cidade grande, o caminho será muito mais difícil de ser superado. Depois de o primeiro contato bem feito, esse consumidor não vai te abandonar, ir para o concorrente. Ele vira fã e traz outros clientes com ele”, reitera o diretor da ABF.

A fim de ajudar o franqueador nessa situação, Golfeto acredita que a melhor estratégia é buscar franqueados na própria cidade que a empresa pretende se instalar. São pessoas que conhecem a cidade, têm familiaridade com os moradores e conhece os hábitos do consumo local, auxiliando na adaptação junto aos players do próprio município.

Essa, pelo menos, é a tática utilizada pela Água Doce Cachaçaria há 20 anos e também pela rede paulista de lojas de milk-shake Mr. Mix. Em 2013, a loja dobrou de tamanho e alcançou as 150 unidades, metade delas estabelecidas no interior de 24 estados do País. “Normalmente os franqueados já são da própria cidade onde a loja é implantada e possuem influência no mercado. Buscamos, então, fazer um bom investimento no marketing local. Além disso, a franqueadora procura adaptar o cardápio de acordo com a região”, conta o diretor da franqueadora, Clederson Cabral.
 
A rede cresceu 70% em faturamento no ano passado e espera inaugurar mais 140 lojas até o final de 2015, investindo sempre em cidades menores, como no interior do Ceará. “A região Nordeste é a menina dos olhos. Hoje, as pequenas, médias e grandes redes de franquias almejam conquistar as cidades da região. Há mercado onde existe uma grande demanda reprimida e não existem muitas opções de consumo. Além disso, o crescimento econômico tem permitido a expansão nessas praças. E quando um novo concorrente chega, queremos evidenciar a qualidade do nosso produto, procurando manter os padrões já existentes de atendimento e lançamento de campanhas”, emenda Cabral.

O professor do Senac concorda com a visão de que o interiorano quer uma relação que vai além do custo-benefício, pois deseja proximidade, um contato mais aberto com o fornecedor do serviço. “Normalmente, para ele não é só o momento da compra que é importante, mas também o pós-compra. Isso se deve à própria cultura do interior, onde a conversa e o diálogo sempre fizeram parte das relações sociais. Então há a necessidade de o fornecedor do produto ou serviço manter uma relação mais próxima com esse cliente, pois ele provavelmente voltará a procurá-lo depois da aquisição”, projeta.
 
Além do atendimento especial e a aposta em franqueados locais, as franquias já estabelecidas em metrópoles podem utilizar a força de suas marcas para atrair o interesse do consumidor. Como reforça o professor Antônio Bonfato, “há a necessidade de romper com a forte concorrência local com algum aspecto de destaque que a notabilize, como o reconhecimento da sofisticação do produto, a qualidade ou a inovação oferecida”.
 
Essa é a arma da Starbucks, rede de cafés norte-americana que chegou ao Brasil em 2006 e é reconhecida internacionalmente. Para a companhia, a ideia é despertar a atenção dos consumidores por meio do nome e da reputação da marca no mercado mundial. “O mercado do interior está sofrendo uma mudança de hábito nos últimos anos não só pela migração das pessoas dos grandes centros para o interior, mas também pelo fácil deslocamento das pessoas do interior para as grandes cidades e para viagens ao exterior. Dessa forma, o público passa a conhecer e a desejar as marcas de redes nacionais e internacionais. A vantagem sobre os players locais é que existe o forte desejo pela marca internacional, o conhecimento e a confiança nos seus padrões de qualidade e o diferencial na experiência de consumo, sem contar na novidade dos produtos”, aborda a diretora de desenvolvimento da Starbucks Brasil, Renata Rouchou.

Diversos nichos têm ganhado destaque nessas regiões, mas o ramo de serviços continua sendo o mais procurado para qualquer nova empresa. Segundo Antônio Bonfato, o mercado de serviços mostrou um crescimento vertiginoso nos últimos anos e está longe ainda do seu ápice no interior. O mercado de produtos de luxo é outro que tem chamado a atenção dos empreendedores, e se expandido a taxas acima da média de outros negócios.
 
Com 22 anos no mercado brasileiro, a companhia de produtos de beleza Mahogany vê como seu principal diferencial o investimento em inovação, lançamentos e qualidade diferenciada. “A Mahogany é uma marca nacional, com tradição no mercado e proposta única em seu segmento. Cada vez mais as pessoas estão globalizadas, independentemente do lugar em que moram e por terem referências daquilo que é bom e do que está em alta nos Estados Unidos e na Europa, por isso também desejam para si e em sua cidade. Conquistamos cada vez mais consumidores justamente por oferecermos ao público soluções completas, com sofisticação, tecnologia e qualidade”, afirma o gestor de expansão de franquias da marca, Peter Schmidt.

Planejamento
 
A possível economia que o interior pode proporcionar para uma empresa é a primeira vantagem aos olhos de qualquer empreendedor na hora de optar pela expansão. Mas há diversos fatores que devem ser analisados antes de o empresário se aventurar por novas e pouco conhecidas terras. Delfino Golfeto conta que, ainda que tenha surgido na cidade de Tupã, no estado de São Paulo, a Água Doce Cachaçaria sempre faz um estudo para descobrir onde vale a pena investir a abertura de uma nova loja da marca.
 
Com presença em mais de 60 cidades do estado, a Água Doce se expandiu pelo interior de Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. “Para que a franquia tenha sucesso, ela precisa ter uma unidade-piloto e que seus futuros franqueados tenham todo o suporte necessário. Nessa situação, o valor por metro quadrado do interior é muito mais barato do que o dos grandes centros. Aliás, não há mais terrenos disponíveis nas metrópoles, o metro quadrado está supervalorizado, em alguns lugares, até dez vezes mais que nas capitais”, explica.

A análise da cidade, sua renda per capita e movimentação; a escolha do franqueado local, aquele que conhece o mercado e as pessoas; o ponto e a localização do empreendimento, de preferência com estacionamento; e o produto de alta qualidade são fundamentais no planejamento da abertura de lojas em novas regiões, segundo Golfeto. De acordo com o professor do Senac, Antônio Bonfato, um bom plano de marketing para o lançamento da marca e do produto é essencial, assim como o planejamento operacional e mercadológico do empreendimento e um orçamento pró-forma de necessidades de investimentos e captação de recursos. “Não se deve pensar o empreendimento em um universo temporal de curto prazo, mas sim o retorno que o negócio gerará em médio e longo prazos. Atualmente a concorrência se acirra nos chamados polos regionais, dificultando a entrada de novos players”. Segundo ele, a tendência é a busca de cidades que ainda estão no processo de expansão de riqueza, a maioria hoje encontra-se na faixa dentre 70 e 150 mil habitantes, e estas cidades possuem os melhores potenciais de expansão de riqueza em um prazo dentre cinco e dez anos, abrigando as melhores oportunidades.

A Mahogany tem apostado em bons pontos comerciais, mix de serviços e de marcas premium voltadas ao público feminino. “Com lojas de ruas e quiosques em shoppings das regiões que estão sendo inaugurados, podemos levar a marca aos mercados emergentes do interior”, aposta o gestor Peter Schmidt. A marca tem o foco nesse momento nas regiões Norte e Nordeste, em Minas Gerais e no interior de São Paulo e do Rio de Janeiro com duas novas plataformas: o Mahogany em Casa, um canal de vendas diretas, e o Quiosque 2.0, espaço para shoppings com o conceito cozy romantic da companhia, ideal para empreendedores.
 
Já no caso da Mr. Mix, como explica o diretor Clederson Cabral, a ideia é alcançar um crescimento de 70% em 2014 e o mesmo em 2015. “O Mr. Mix é um tipo de negócio rentável para o interior. No geral, negócios na área de alimentação são sempre uma boa alternativa, principalmente se as empresas disponibilizarem no cardápio algumas opções que possuem fortes características regionais. Apenas vale ressaltar que esse é um ramo que demanda o dobro de atenção, pois a qualidade do ambiente, do alimento e do atendimento devem estar em perfeito estado para garantir o bom andamento do negócio e fidelizar os consumidores”, ressalta. A Starbucks tem analisado as características de cada ponto para prosseguir com seu plano de expansão e reconhecimento no interior de São Paulo. São analisados número de habitantes por cidade, hábitos e potencial de consumo, crescimento populacional e econômico da região versus a média do Brasil, instalação de novos shoppings, novas fábricas e o desempenho atual dos demais varejistas. “Existem duas importantes vertentes de crescimento no País hoje: o Nordeste e o interior de São Paulo. Como a Starbucks® está em sua primeira fase de expansão, atuando somente com lojas próprias no eixo Rio Janeiro-São Paulo, focamos bastante no interior em nossas últimas inaugurações. Das lojas abertas ou a abrir nos próximos meses, em torno de 60% estão no interior de São Paulo”, afirma Renata Rouchou.
 
Ela completa ainda que o maior desafio é trazer a marca para uma nova cidade e fazer os consumidores conhecerem plenamente o conceito e os produtos. Mas introduzir a marca em um novo mercado é sempre um desafio para que ela seja entendida como em todo o resto do mundo. Isso começa no design da loja e termina no atendimento de cada um dos batistas na integração diária com cada cliente.
 
Segundo Golfeto, é difícil apontar uma fórmula mágica para que o empreendedor se dê bem no interior e alcance o sucesso, mas há aspectos que precisam ser levados em consideração com seriedade: “una franqueados que conheçam o mercado, busque conhecer a cidade e as pessoas, encontre uma equação que te permita oferecer produtos a preços mais baixos e se dedique a um atendimento personalizado”, conclui.